sexta-feira, 5 de julho de 2013

Um conto lésbico esquecido numa gaveta qualquer




                           
                                -Para todas as minhas amigas lésbicas, e para as que ainda não sabem que são.


Sem nomes para não se tornar mais um personagem estereotipado, se bem que isso será um tanto complicado. Mas não darei nomes para que não se crie um laço afetivo com a coitadinha, quando isso acontece é difícil seguir depois que acaba. Hoje eu tenho a triste associação do nome Heleninha à dor, a sofrimento e melancolias; graças a uma história que li, não lembro o autor, que a personagem, Heleninha, sofria tanto que passei dias a fio pensando nela. Depois disso passei a evitar esse nome, que antes eu achava lindo. Se alguma Heleninha chegar a ler esse texto, desde já minhas sinceras desculpas. Não quero causar transtornos aos meus leitores, principalmente aos mais sensíveis. E se for pra sofrer por esse relato, que se sofra sem nomes; que quando se lembrarem da história se dê da seguinte forma: “Muito triste aquela menina sem nome do texto daquele escritor de sobrenome engraçado e descomunal”. Pois é assim que muitos leitores a verão depois de ler essa história. Muitos se identificarão, ou compararão amigas à mesma, é lamentável, mas é o que se tem para hoje, amanhã e sempre.

  Personagem sem nome, por volta dos trinta anos, só para constar uma cronologia.  Meio feminina, o trabalho exige. Mas ora tão máscula que um lutador de muay thai é uma menina perto dela. Esse ser vive enclausurado em sim mesmo. Tem uma família perfeita, aquele tipo tradicional que todos queriam ter, e quem conhece alguém que tem morre de inveja dessa pessoa, mesmo não assumindo. Sabe aquela família ortodoxia que te obriga ir à igreja toda semana, mesmo você não sendo tão praticante. Aquela mãe que te acorda todos os dias com leite quente na cama, e se você não toma ela fica extremamente chateada. Era uma casa tão perfeita que a personagem se sentia uma herege por ter certos sentimentos; do tipo de desejar aquela prima gostosa que passava os finais de semana em sua casa. Era um pecado terrível, mas todo pecado é terrível, independente do grau de profundidade. As reuniões de famílias eram os piores momentos de sua vida, vê-la (a bendita amada e idolatrada prima, salva salve amém!!!) era destruidor, principalmente quando ela resolvia aparecer com aquele shortindo que mal cobria as vergonhas, geralmente nas manhãs febris de domingo.

   No  trabalho era outro terror: Sempre que chegava uma estagiária nova, ela não tinha paz consigo mesma. Ao mesmo tempo era requerido um posicionamento feminino, a sociedade sempre cobra isso: Atitude de um macho, dominador da tribo sem perder o salto 15 e a maquiagem impecável. Quando se tem uma posição social superior, o que é o triste e frustrante caso da nossa amiga descrita desde as primeiras linhas desse fúnebre texto, é necessário que se tenha uma postura impecável. Essa dualidade estava  D-E-S-O-R-G-A-N-I-Z-A-D-A-M-E-N-T-E  dentro de ela. Viver fingido que era feminina era pior que ter que ir aos encontros religiosos promovidos pela família no domingo. Era como se um corpo estranho habitasse dentro de si. No começo foi estranho, mas a vida não lhe deu outra opção, então o que se tinha a fazer era acostumar-se com a situação e ir levando do jeito que se consegue. Ora feliz, ora triste, ora tão cansadas que por vezes ela esquecia dessa confusão toda.

   Mas chega uma hora que é necessário surtar, e ela não estaria livre disso. Por que quando é chegada, por mais que se omita ou se finja que não é consigo, ela (a hora) é mais forte que qualquer outra coisa. Pois bem, a menina que usara roupa social durante muito tempo acordou irritada com todo aquele guarda-roupa repleto daquelas roupas e saltos que não a identificavam; fez uma santa fogueira da inquisição com tudo aquilo. Resolveu que não iria trabalhar hoje e por muito tempo, não para aquele corporativismo medíocre e taxativo. Acordou de bem com a vida, amém, foi ao cabeleireiro e mandou cortar Joãozinho: máquina um  na lateral e na frente mais soltinho. Comprou um short jeans descolado, desses bem moderninhos que alguns adolescentes andam usando por aí, um óculos retro e degradé (sempre teve vontade de ter um desses). Calçou um All Star preto com detalhes brancos, foi no trabalho e sambou em cima da mesa. Pediu demissão. Comprou com cadilac preto e resolveu viajar por aí. Reinventar-se...

P.S: Vez em quando ela manda notícias, há quem diga que ela está muito bem.
                                                                                                                                                     
                                                  Jefferson Piaf.