quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Um amor perdido em um coletivo qualquer




 
                                                           Fonte: http://cogumelolouco.net/fotos-de-casais-dia-dos-namorados/

 

Tarde quente. Ônibus cheio. Eles entram. Ela na frente e com cara de poucos amigos, ele vem depois e com cara de quem levou um pé na bunda, e levou. Não há cadeiras pareadas. Ela senta na frente e ele na cadeira posterior. Por alguns instantes ele pensa em deixar para lá e aceitar os fatos. Mas volta a insistir. Em meio ao burburinho do ônibus, gente gritando: vai descer; gente que conversa alto; um motorista que escuta uma rádio piegas, o trânsito infernal das 18hrs, ele suplica por uma segunda (ou quem sabe até milionésima) chance.

 Na cadeira da frente ela se mantém irresoluta, e apenas balança a cabeça negativamente. Não tem volta. De repente ela transparece uma tristeza; como se estivesse perdida no tempo. Por alguns instantes ele continua falando, mas ela está como uma pedra: não esboça nenhuma resposta, talvez não o esteja escutando. Mas ele segue com seu discurso monótono e repetitivo, entretanto de forma discreta. Quem estivesse do outro lado do ônibus jamais perceberia que ali dentro há um (ex) casal. E mesmo que ele estivesse aos gritos não seria percebido, as pessoas andam ocupadas demais com suas corriqueiras vidas; e quem se importa com um jovem casal de namorados em chamas? E quantos casais, diariamente, não brigam ali naquele mesmo lugar? São os calores da idade, depois voltam... Às vezes ele fica calado, e tudo que se escuta é a confusão de vozes ao redor. Mas como numa tentativa suicida ele volta a insistir euforicamente.

  Ela muda de assunto, fala que chegarão atrasados na faculdade, e que o trânsito tem ficado cada vez pior. Inútil. Ele continua deflagrando as mesmas palavras, repetindo sua oração pessoal. Ela tenta não perder a paciência, e se mantém repetindo que não, ora conversa sobre outras coisas, ora silencia. Pedro liga, e por um curto tempo ela se ocupa. Seu rosto muda; do outro lado da linha Pedro fala alguma coisa que a faz gargalhar alto. Ele, atrás, expressa sua raiva de coração partido. Pedro desliga, e o rosto dela volta ao estado lúgubre de antes. Entram duas senhoras, altas e magras e com cara de solteironas, e se posicionam ao lado de eles. Elas conversam alto, mal ela pode ouvi-lo. No fundo ela agradece àquelas senhoras que conversam sobre Marcinha, a filha de Gertrudes, que não quer estudar e só pensa em namorar; onde já se viu isso. Tudo culpa de Gertrudes que não deu umas boas palmadas na danada. Ela concorda mentalmente: tudo culpa de Gertrudes mesmo!

 Ele se cansa, é impossível competir com os vozeirões das duas senhoras. Elas descem, para alívio dele. Sede. Ele começa a aceitar a derrota, não há mais nada que se possa fazer. Ela está decidida.  O motorista troca a estação de rádio. Toca uma música e logo ele ri. Ela enche os olhos de lágrimas, mas ele não pode ver. Ela não quer voltar atrás, e continua estática como se não se importasse com tal música. E, como última tentativa, ele diz algo inaudível em seu ouvido. Coisa com duração de alguns segundos, mas que a fez chorar. Ela enxuga o rosto e diz: NÃO.  Time is over, vamos descer na próxima já. Acho que vai chover. Esqueci o guarda-chuva. Droga!
                            

                                               

                             Jefferson Piaf