domingo, 28 de novembro de 2010

A cidade, A menina e O todo poderoso.

                           
Em uma parte esquecida do planeta havia uma cidade. Uma cidade com poucos habitantes. Lá não havia escola, e só tinha um pequeno hospital, que nunca funcionava. O todo poderoso não permitia escolas na cidade. As pessoas eram leigas e subordinadas a ele. E quem era ele? Um grande latifundiário que mandava em tudo naquela cidadezinha esquecida por todos.  Nossa pequena salvadora mora nesta cidade. Flora. Ela era uma menina diferente, sabia ler. Sua mãe tinha ensinado-lhe escondido. A mãe de flora não tinha nascido na cidadezinha; ela fora trazida pelos capangas do todo poderoso junto com outras pessoas.
O todo poderoso saqueava outras cidades e roubava as pessoas. Idade média no mundo contemporâneo. As pessoas que sabiam ler, ele matava. Ninguém podia ler ou escrever, era proibido. Ele era o poder supremo. Ele que sabia de tudo. As pessoas, que eram a base, só podiam saber uma coisa: dizer sim!
A mãe de flora mentiu. E quem não mente? Ela disse que não sabia ler. Quando a mãe de flora foi leva à cidade, nossa menina ainda era de colo. Acompanhava sua mãe, todos os dias, até a fazenda do todo poderoso. Já largava na hora de voltar! Flora crescia e não entendia o porquê daquilo tudo. Não entendia por que as pessoas tinham que trabalhar tanto.
Uma vez ela disse a sua mãe para fugirem da cidade. Ela não sabia que a cidade era cercada por homens armados com as mais potentes armas. Impossível fugir! Disse a mãe de flora. Nossa pequena heroína frustrou-se com aquela resposta seca, sem esperança, que sua mãe dera. Flora aprendeu a ler e a escrever, com muito sacrifício. Sua mãe trabalhava muito; não tinha muito tempo para ensinar à menina. Mas flora aprendeu! O problema é que não tinha livros para ler...
As pessoas daquela cidade eram sorumbáticas. Mal falavam, Mal conseguiam andar. Elas só sabiam trabalhar; máquinas humanas. Elas Ficavam a maior parte do dia encurvadas na lavoura, com o tempo, só andavam naquela posição. Desaprenderam a andar! Alienaram-se completamente às ordens do todo poderoso. Mas aqueles pobres seres não sabiam que um dia tudo mudaria. A salvadora daquela esquecida cidade estava desabrochando!
Flora teve um encontro decisivo em sua vida! Depois daquele encontro ela não seria a mesma menina alienada de antes. Enquanto caminhava por uma rua pouco conhecida, algo chamou a atenção da menina. Um livro com letras douradas, chamativas. Flora correu e o apanhou. Em letras douradas estava escrito: FLORA TRISTAN, A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO SÉCULO XIX.
Flora ficou assustada. “de onde veio este livro? O todo poderoso proíbe livros dentro da cidade. Por que esse livro tem meu nome?”- pensou flora. Muitas coisas passavam em sua pequena cabeça. Em um movimento súbito, flora jogou o livro para dentro da blusa. Se algum capanga do todo poderoso visse aquele livro, ela estaria em problemas.
Quando chegou em casa, ela leu o livro desesperadamente. Estava muito curiosa para saber quem era aquela mulher que tinha o mesmo nome que ela. Flora descobriu que sua chará foi uma grande mulher. Contribuiu na luta do proletariado no século XIX; teve que lutar contra o preconceito por ser uma mulher. Sofreu para conseguir seus objetivos. Lutou até o fim, foi contra o machismo francês de sua época. Uma mulher de vanguarda. Todas as vezes que precisou começar do zero, fez com ousadia, com coragem.
Flora ficou fascinada com a história daquela mulher; sentiu-se orgulhosa pelo seu nome. Um pensamento brotou em sua mente. Se no século XIX uma mulher lutou contra o sistema, por que uma menina no século XXI não lutaria? Nossa heroína estava decidida, iria fazer o mundo conhecer aquela cidade e o todo poderoso. Aquelas pessoas não poderiam ficar eternamente ali, trabalhando como escravas. O todo poderoso tinha que ser destronado.
Flora não podia contar nada a sua mãe, nunca que ela permitiria que a menina se rebelasse contra o todo poderoso. Então, flora procurou dona Palmira, uma das mais antigas moradoras daquela cidade. Ela poderia ajudar flora. Ela conhecia aquela cidade melhor que qualquer outra pessoa. A velha Palmira riu quando escutou a proposta surreal de flora. “Impossível sair daqui minha menina, estamos cercados por todos os lados.”- falou a velha. “Deve ter um jeito de sair daqui, minha velha. Nenhuma prisão é segura totalmente. Tem que haver um jeito para eu sair daqui. Eu vou libertar vocês.”- falava nossa pequena salvadora.
A velha Palmira gostava da ousadia da menina, há muito tempo que não encontrava alguém com aquela vontade. “Toda noite eu levo o café pros capangas do todo poderoso, lá do outro lado da cidade. Ninguém pode andar por lá sem autorização. Quando anoitecer eu te levo.”- falou a velha com um sorriso no rosto.
Flora estava ansiosa. Passou o resto da tarde impaciente. A noite chegou. A mãe de flora perguntou para onde ela iria àquela hora da noite. A menina, com um ar de sonhadora, disse que iria salvar a todos. A mãe pensou que fosse coisa da idade, os jovens sonham em salvar o mundo, mas não era coisa da idade! Flora encontrou-se com a velha Palmira e foram levar o café dos capangas. Flora ficou escondida enquanto a velha servia o café aos homens. Não demorou muito para que os capangas caíssem em sono. A velha Palmira tinha colocado sonífero na bebida deles!
“Vai flora, corre! Vai à busca do teu sonho minha menina! Lutar pela nossa liberdade
Mostra ao mundo nossa cidade! Liberta-te dessa corrente capitalista! ”- gritava a velha Palmira enquanto a menina corria pela mata.
Uma semana depois flora estava estampada na primeira página dos jornais de todo mundo. A TV só falava naquela menina que fugiu da escravidão pós-moderna e denunciou o todo poderoso. O mundo conheceu aquela cidadezinha, nunca mais ela seria esquecida. O todo poderoso tentou fugir, mas foi pego antes. Ele foi condenado à prisão perpétua, seguida de trabalho forçado em uma mina. As pessoas foram libertas, puderam, enfim, ver a luz da liberdade. Com o tempo elas aprenderam a andar, a falar, a pensar. Nossa pequena menina entrou para história, assim como sua chará do século XIX.
Flora deixou o exemplo. Nunca devemos abaixar nossa cabeça! Lutar sempre pelos nossos direitos. Por mais que as circunstâncias nos façam pensar que somos UM NADA, devemos mostrar que somos a revolução!  Só precisamos dar o primeiro passo.

                                               Jefferson Piaf

sábado, 27 de novembro de 2010

Júlia. Nunca é tarde para amar...(capítulo VIII)

O Sepultamento..
          (Ainda não acredito)


O médico liberou-me para ir ao enterro. Uma tarde triste. Eu gostaria que tudo isso fosse um sonho, um triste sonho.  Eu queria acreditar que era só uma brincadeira, que em breve Paulo apareceria, e todos nós seríamos felizes. Mas, infelizmente, não era um sonho, nem tão pouco uma brincadeira. Era a vida sem maquiagem.
  A caminho do cemitério eu pensava nos últimos momentos que tive com ele. Relembrava, com muito esforço, de suas últimas palavras. Ele me disse que os bons morrem jovens, pura verdade! Enquanto eu pensava na música de Renato russo, o rádio começou a tocá-la:
 “É tão estranho
  Os bons morrem jovens
  Assim parece ser
  Quando me lembro de você
  Que acabou indo embora
  Cedo demais!

  Quando eu lhe dizia
  Me apaixono todo dia
  É sempre a pessoa errada
  Você sorriu e disse
  Eu gosto de você também
 Só que você foi embora
 Cedo demais!

Eu continuo aqui
Meu trabalho e meus amigos
E me lembro de você

Em dias assim
Dia de chuva
Dia de sol
E o que sinto não sei dizer...”

 Parecia algo combinado. Comecei a chorar. Segurei firme na mão de Francy e encostei minha cabeça em seu ombro:
 - O que foi Júlia?
 - Essa música... – mal conseguia pronunciar as palavras.
 - O que tem essa música, minha querida.
 - Antes de morrer, Paulo falou dela. Ele me disse que os bons morrem jovens. E, enquanto eu pensava nisto, ela começa a tocar no rádio.
  Francy não sabia o que dizer. Ana interrompeu o silêncio:
- Chega de rádio, por enquanto.
- Não Ana. Deixe-o ligado, por favor.
- Ana tem razão. Você não chegou ao cemitério e já está muito alterada.
  O cemitério estava cheio de pessoas. Paulo entrosava as pessoas facilmente. Assim que cheguei ao hospital ele me apresentou todos: do zelador ao diretor.
   A mãe e a irmã de Paulo estavam incontroláveis. Não deve ser fácil para uma mãe perder um filho tão jovem. Supera-se a dor da morte de uma mãe, de um irmão, de um amigo... mas a dor da morte de um filho é eterna. Eu não tinha o que falar aos parentes dele, não naquele momento. Nada do que falamos nessas horas ameniza a dor. Preferi o silêncio, muitas vezes ele fala mais que palavras.
   Aproximei-me de dona Luísa. Abracei-a fortemente. Ficamos por alguns segundos em silêncio. Ela abraçava-me, enquanto eu molhava sua roupa com minhas lágrimas. O mundo parou, para mim, naquele momento. Senti-me abraçando o próprio Paulo. Ao longe avistei Cláudia, a noiva dele. Após cumprimentar alguns parentes de Paulo fui até ela. Não foi diferente de dona Luisa. Abracei-a e juntas choramos.
   O funeral foi muito triste. Tudo estava com um ar lânguido: uma manhã apagada. Os pássaros não cantavam, as flores perderam a cor, o céu perdera o brilho. Eu caminhava em direção ao caixão, amparada por Ana e por Francy.
   Ao vê-lo ali, naquela condição-inerte-, eu não aguentei. Tudo começou a rodar. Uma leve tontura foi tomando conta de mim:
 - Júlia! Ajude-me Anna, Júlia desmaiou. – gritou Francy.
  Elas tentavam, em vão, tirar-me dali. A multidão impedia que eu saísse. Mais uma vez eu estava invisível. Enquanto elas lutavam em me levar para fora, eu ouvia rezas misturadas a choros e lamentos:
 -“Ave Maria cheia de graça, o senhor é convosco...”
 - Com licença, por favor! Por aqui Francy.
- Não, Paulinho. Por que meu Deus?
 - “Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome...”
 - Com licença senhora. Por favor, senhor licença!
- Eu quero meu amigo de volta senhor!
 -“... Bendita sois vós entre as mulheres e bendito o fruto...”
 - Ana? Francy? Quem são essas pessoas? Por eu estou sendo carregada? Por que elas rezam? Por que tanta vela?
- “... Venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade...”
- Volta Paulinho, por favor! Nãos nos abandona meu amigo!
- calma Júlia. Nós estamos tirando você daqui.
- “... Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte, AMÉM.

 

Júlia. Nunca é tarde para amar...(capítulo VII)

A morte chegou... O fim que pode ser o começo...
           (Agora é tarde.)



 
    Dedico os próximos dois capítulos ao meu querido Thiago Souza, que nos deixou, e hoje é uma estrela brilhando no infinito. A você, meu querido Thi, que sempre acreditou em mim.
 

  Eu já estava recuperando-me de toda aquela frustrada conversa que tive com Octávio. Reencontrar minha melhor amiga tinha sido a melhor coisa que me aconteceu.
  Confesso que com a chegada de Francy minha vida mudou. Eu, aos poucos, voltava a ser aquela Júlia sonhadora de antes. A vontade de viver que aquela garota tinha, mesmo com todas as intempéries da vida, era contagiante.
  Eu ia para o hospital quando a música de Vanessa da mata -ainda bem- foi interrompida por uma notícia urgente:

 “Começou a pouco a perseguição da polícia a uma quadrilha que assaltou um banco na zona Norte do Recife. O trânsito está tumultuado, e as pessoas estão aflitas. Os bandidos não estão com reféns. Mais informações em instantes. Continuamos agora com nossa programação...”
 Um assalto a banco na zona Norte do Recife? Justo na parte onde eu estava! Senti uma pontada nas costas. Fiquei tensa, uma perseguição policial em plena tarde de terça feira, um feriado tão lindo. Como se os bandidos escolhessem dia para roubar!
  Eu ouvia, ao longe, um barulho de sirene. Não sei se eu ouvia, de fato, ou se era só meu psicológico confuso. Eu percebi que nas ruas as pessoas andavam apressadamente; pareciam procurar um lugar para entrar, aparentando um medo constante. Fiquei mais nervosa ao ver aqueles rostos amedrontados.
  Quando fui chegando ao estacionamento do hospital, o barulho da sirene ainda me perseguia. Não era sirene de ambulância.  Um burburinho longínquo que se aproximava. O estacionamento estava lotado, foi difícil achar uma vaga. Consegui estacionar meu carro, mas só achei vaga dou outro lado do estacionamento. Ao chegar à entrada do hospital, percebi que tinha esquecido minha agenda eletrônica no carro. Teria que voltar lá e pegá-la. Avistei Paulo do lado de dentro do hospital e acenei para ele.
   Ao aproximar-me do carro, tomei um susto. De súbito, um tiro. Tudo muito rápido, quando vi o estacionamento tinha virado palco de um filme de faroeste. Carros de polícia, e um carro com homem de capuz exibindo armas. Eu estava em meio a uma guerra. Fui atingida com uma bala, não sei de onde ela veio. Não senti dor de imediato, só percebi que estava feriada por que sangrava muito. Estava completamente perdida, nunca tinha acontecido isso comigo. Eu não sabia o que fazer, não tinha lugar para esconder-me. Com o barulho, o tumulto aumentou. Tudo o que fiz foi gritar. Das janelas do hospital as pessoas me olhavam aflitas. Ao longe, aviste Paulo correndo em minha direção, gritando meu nome:
- Júlia! Júlia! Fique calma!
- Socorro Paulo! Eu não quero morrer. – minha voz confundia-se com o choro. Mil coisas passavam por minha cabeça. Por alguns instantes, pensei que morreria.
 Eu não posso morrer. Paulo estava se aproximando de mim quando eu o vi cair também. Ele fora atingido. Arrastei-me até onde ele estava. O tiroteio continuava, e nós dois estávamos jogados no chão. Éramos invisíveis.
    Quando vi Paulo sangrando entrei em desespero. Foi uma correria total. Eu gritava, sem parar, pedindo socorro. Tudo o que Paulo dizia era para eu não me desesperar. Eu queria pegá-lo em meus braços e sair correndo para emergência.
            Agora é tarde.
  Aos poucos a respiração dele escasseava-se. Eu me sentia impotente diante daquela situação. Eu jurei que salvaria vidas! Juramento este que, a meu ver, é errôneo. Eu não tenho o poder de salvar, só Deus que pode fazer isto. Deveríamos jurar, sim, que faríamos o impossível para ajudar as pessoas.
   Ele me olhava aparentando tranquilidade, mas sei que no fundo estava tão nervoso quanto eu. Com duas lágrimas nos olhos pronunciou suas últimas frases:
  - Júlia?
  - Fique calmo, meu querido. Já estão chegando para nos ajudar. Não fale. Tudo dará certo.
 - Eu vou morrer Júlia. Não posso esperar mais.
 - Não diga isto Paulo. Você é muito jovem.
 - Os bons morrem jovens, como dizia Renato Russo. – As lágrimas fluíram em meu rosto. Choramos em silêncio por alguns segundos.
- Obrigada por tentar me salvar Paulo. Obrigada por fazer parte de minha vida. Você é uma pessoa muito especial, todos nós te amamos muito.
- Eu que te agradeço por tudo, minha querida.
  Silêncio. Paulo calara-se para sempre. Uma profunda tristeza tomava conta de mim. Nosso sangue tingia o vermelho do céu, naquele fim de tarde do dia das crianças. Ele faleceu em um dia propício, por que no fundo ele era uma criança. Uma criança adulta.
   Aos poucos as pessoas chegavam. O socorro também. Eu estava fraca e com minha visão embaçada. A última coisa que lembro é de ter sido pega por dois homens e ser levada para dentro do hospital. Eu queria falar a eles para salvarem o Paulo, mas eu não conseguia. Escutei um deles falando que o rapaz, Paulo, tinha falecido no local.

   Acordei cheia de dores. Meu abdômen doía muito. Ana estava sentada frente a mim, e Francy, em pé, ao meu lado. E eu, deitada em uma cama de hospital. Não sabia o que estava fazendo ali. Por que Ana estava lá a olhar-me com um ar de tristeza? Ela ainda estava de licença. Francy também aparentava tristeza, poucas vezes a vi triste:
  - Ana! Ela está acordando. – falou Francy. Ana vinha em minha direção.
- Graças a Deus! – bradou Ana.
- O que está acontecendo? Por que eu estou aqui? Por que vocês me olham desse jeito?
- Calma Júlia! Ana irá explicar-lhe com mais calma.
- Francy tem razão, você precisa ter calma. Você foi atingida por uma bala de raspão. A polícia perseguia uma quadrilha que acabara de assaltar um banco. Mas está tudo bem com você.
  Ana pausou a voz. Elas se entreolharam. Senti que tinham mais coisas para falar-me. Eu estava impaciente. Tinha poucas lembranças. As recordações vinham aos poucos e em pedaços. Eu só lembrava que estava chegando perto do carro... Tiro. Carro. Polícia. Sirene. Gente. Grito. Paulo. Tiro novamente. Sangue. Paulo. Chão. Morte. Socorro. Era tudo o que eu remembrava. Não me contive:
 - O que está acontecendo? Cadê o Paulo? – Desta vez quem falou foi a Francy.
 - Júlia, o Paulo na tentativa de te salvar, foi atingido por três tiros. Infelizmente ele não resistiu. Todos nós estamos sofrendo muito com tudo o que aconteceu.
- Não pode ser Francy!- Parecia que o mundo todo estava desabando em cima de mim. Eu estava incrédula com as últimas informações. O Paulo não pode ter morrido. Choramos.
 - Quando será o enterro? Eu quero ir. Quero vê-lo pela última vez.
- Eu não sei se você poderá ir. Você está muito fraca ainda, terei que falar com o médico que lhe atendeu. – falou Ana.
- Por favor, Ana, eu tenho que ir ao enterro. Não me perdoarei se não for.
- Acho que não é uma boa idéia você ir. Você ainda está muito tensa, presenciar o sepultamento do seu amigo não será bom. – argumentou Francy.
- Eu sei, mas ficarei pior se não for. – continuei chorando.
- Está bem. Se o médico liberar, eu irei com você.
- Muito obrigada minha amiga.
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Júlia. Nunca é tarde para amar...(capítulo VI)

Minha querida Francy.             
                            (Uma flor em meio ao caos)

De: Francy.
Para: Júlia.
 “Júúúúúúúúúúlia... estou chegando amanhã dos Estados Unidos. Estou morrendo de saudade de você amiga! Terminei o doutorado, estou cheia de novidades.
  Aaaaah... Vá me buscar no aeroporto dos Guararapes amanhã às 14hrs, e não venha com a desculpa que vai trabalhar! Ingrata!”
      Fuiiiii
Bjs de sua querida Francy!
    ;)

Quando eu li aquele email, não consegui segurar o riso. Mesmo depois de tanto tempo, ela continuava maluca do mesmo jeito! Eu estava louca de saudade da Francy.
  Eu a conheci na época da escola. Ela é minha melhor amiga. Vivíamos o tempo todo juntas.
 Ela sempre foi intrépida, descolada. Eu era a tímida, que tinha medo de tudo. Para Francy a vida era uma aventura, o bom era correr riscos. Ela sempre me dizia que queria ter histórias para contar aos filhos. Depois que a escola acabou nossa amizade só cresceu.
  Entramos no mesmo ano na universidade. Ela em geologia e eu em medicina.  Ela agitava a universidade com seu jeito festivo, de bem com a vida. Em pouco tempo, conhecia quase todo mundo de lá. Sempre estava nas festas, e quando faltava uma, as pessoas reclamavam. Mesmo sendo completamente louca, no bom sentido, ela era muito responsável. Estudava muito, queria fazer doutorado no exterior e quando voltasse iria morar na Amazônia, com os índios. Ela contagiava-me com seus sonhos. Uma eterna sonhadora, e agora estava de volta!
    Depois de um ano que eu estava morando em Paris, ela conseguiu uma bolsa de doutorado nos Estados Unidos. Desde então, nosso contato era pouco.
    Ela acompanhou de perto minha história com Octávio. E hoje, vejo que ela estava certa quando disse que eu deveria procurá-lo antes de fazer qualquer coisa.
   Como eu quero ver essa garota! Ela deve ter colocado os Estados Unidos de cabeça para baixo. Eu não posso deixar de ir ao aeroporto. Quero muito abraçá-la, relembrar os velhos tempos de colégio, de faculdade, de juventude.
 Cheguei cedo ao aeroporto, fiquei esperando perto do desembarque. Não demorou muito para que eu a visse. Continuava do mesmo jeito, um pouco pálida, mas do mesmo jeito.  Aquele andar despojado que eu adorava. Ela continua a mesma adolescente!

  - Júlia!
  - Francy! Que saudade de você! –abraçamo-nos profundamente.
 - Meu Deus! Você continua do mesmo jeito francy!
 - muito obrigada, eu sei que continuo linda!
- muito modesta você! – caímos em riso.
- Ai Júlia. Vamos sair hoje? Quero andar novamente pelas ruas de Recife. Como senti falta daqui. A única coisa que não senti falta é da violência.
- concordo com você Francy. É uma pena que um país tão lindo como o Brasil; que possui pessoas tão acolhedoras seja tão pobre em segurança.
- Já vem você com suas críticas sociais. Pelo que vejo não só eu que continuo a mesma. Vamos deixar esse papo de política. Quero mais é aproveitar o que esse lugar tem de melhor, e recuperar o tempo que estive longe.
- você tem razão!
 - Júlia, eu me esqueci de perguntar: e Octávio?
- Nem fale Francy. Você estava certa. Ele não tinha escrito a carta. Ficou furioso comigo, pelo o que eu fiz. Ele deve estar odiando-me essas horas. Estou péssima com tudo.
- Mas quem escreveu a carta Júlia? A letra era idêntica a dele!
- Não faço a menor idéia minha amiga! Quem fez isto me queria ver longe dele. – Francy me olhava com seu olhar circunspecto.
- Já sei! – ela deu um grito que todos que passavam pararam para nos olhar.
- Já sabe o quê?
- Não, nada. Só pensei alto. Vamos deixar isso para lá.
- Está bem. Francy, falando em amores passados, e Júlio?
- Não sei dele. Deve ter se casado com algum carinha.
- como assim, se casado com algum carinha?
- Isso mesmo que te falei. Eu descobri que Júlio era gay, estava namorando comigo só para enganar os pais.
- Não acredito nisto!
- Pois acredite. Na verdade, ele estava em dúvida quando me conheceu. Não sabia o que queria.
- E como você soube que ele era gay?
- Ele mesmo me contou. Disse-me que estava cônscio de sua opção sexual e não queria mais fugir disso. Iria assumir para todos o que ele realmente era.
- E você, o que fez?
- Eu não fiz nada. Chorar eu não iria, e morrer por ele muito menos.
- Mas ele era o amor da tua vida, como você sempre dizia.
- Falou bem Júlia! Era, não é mais. Eu só pedi a ele que fizesse isso depois que eu estivesse longe. Eu não queria que as pessoas me vissem e dissessem que eu era a namorada do “viadinho”. – o que me deixou mais estarrecida foi que ela me falava tudo isso aos risos.
- Você é mais maluca do que eu pensava! E você namorou mais alguém depois dele?
- Claro! Para freira que eu não iria ficar. Conheci um canadense que morava em Nova York, ele foi o amor da minha vida por três meses.
- E...? – Eu estava ficando confusa com aquilo tudo. Muitas informações em pouco tempo.
- Eu enjoei dele. Cansei e terminei tudo. Agora quero casar com um índio, quando eu me mudar para Amazônia.
- Ainda essa estória de Amazônia?
- Sim. Em breve irei para lá. – agora eu que não consegui segurar o riso. Eu querendo morrer, e ela pensando em índio na Amazônia!
- Você surpreende-me cada vez mais!
- Eu quero é ser feliz Júlia. Vamos! Recife nos espera.


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Aos amigos...




Eles estão presentes em toda nossa vida.
Amigos, eu não sobreviveria sem eles. Há quem diga que os amigos são anjos mandados por Deus para cuidar de nós. Eu discordo! Acho que não há léxico no mundo que sintetize o significado da palavra amigo.
Antes mesmo de nascermos eles já estão conosco. Acompanham todo nosso crescimento. Os verdadeiros amigos nos amam antes de saber quem somos. Ao nascermos, a expectativa é grande. Eles estão na maternidade a nos contemplar!
Quando entramos na escola, eles estão nos esperando. Aprendemos juntos a superar nosso medo do primeiro dia de aula. Medo do desconhecido! Sem nossos pais, apegamo-nos a eles. Não consigo contar quantos amigos fiz ao longo de minha vida escolar. Muitos amigos chegaram e se foram rapidamente, outros chegaram e permanecem até hoje! Cada um com suas obrigações, assim o contato rareia, mas não acaba. Treze anos de escola! Quantas coisas vivemos ao longo desses anos. Fazemos amigos, inimigos, brigamos, amamos...
Quando chegamos à adolescência eles são nossos maiores confidentes. Nossos amigos sabem tudo de nós, e nós sabemos tudo de eles. Eles que nos ajudam com nossas mentirinhas. Vem o primeiro amor, eles que ajudam em tudo! Conversam com aquele menino que estamos paquerando, conseguem o telefone daquela menina bonita da escola. Sonhamos juntos! Queremos conquistar o mundo, salvá-lo! Com o tempo esse desejo é destruído pela nossa realidade nefasta.
Chegamos à juventude, mais obrigações. Terminamos a escola, cada um segue seu caminho. Profissões diferentes. Encontramo-nos cada vez menos! Só nos falamos por telefone, até que a saudade fala mais alto em nós, e decidimos marcar um encontro. Um remember. Caímos no riso quando nos lembramos dos tempos de escola, daquele professor chato, daquela professora louca. Passamos uma eternidade conversando. Depois cada um volta à sua rotina, e a correria da vida nos afasta novamente.
Quando chegamos à vida adulta, tudo só piora. Aí é que não nos vemos mesmo! Só nos encontramos em casamentos de outros amigos, no nosso casamento. Depois, casa nova, vida nova. Vêm os filhos, dupla jornada. Mas o telefone ainda existe, graças a Deus, e quando nos lembramos dos sonhos da juventude; dos planos, corremos e ligamos para mais uma sessão déjà vu. Rimos a tarde toda, relembrando as aventuras da adolescência. Os momentos tristes vão chegando. Alguns amigos não estão mais conosco, só restou à saudade de tudo que vivemos. Quando nos lembramos deles dá uma dor no peito! Uma tristeza. Os amigos deveriam ser eternos.
E um dia, nossos netos encontram fotos antigas em nossos alfarrábios e nos perguntam quem eram aqueles. Ao vermos as fotos, duas lágrimas percorrem nosso rosto. “São meus amigos”- é isso que respondemos.  Não agüentamos e desabamos em choro! Éramos felizes, todos juntos!
Mas cada um seguiu seu caminho. Alguns realizaram seus sonhos, outros se frustraram, há ainda os que desistiram de tentar, os que mudaram –completamente- os desejos. Só sabemos de uma coisa: ELES FORAM TUDO EM MINHA VIDA!
                                                  Jefferson Piaf

Confissões de um louco.



SAIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAM!
Deixem-me em paz com minha loucura!
LOUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUCO!
 Sim, é isso que sou!
Prefiro ser um louco que não se rende a esse sistema escravista a ser um alienado como vocês.
RIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAM!
Podem rir desse pobre louco que vos fala!
Eu tenho pena de vocês, pobres seres, pobres máquinas!
Vocês acham estranha a minha loucura. Vocês acham estranho por que abraço árvores, beijo flores e converso com meu cachorro Salomão!
Eu acho estranho vocês viverem em um mundo cheio de coisas boas e não usufruírem dele!
Quantos de vocês já perceberam a beleza que o céu está hoje?
Quantos de vocês agradeceram pelo oxigênio de cada dia?
Quantos de vocês abraçaram seus filhos, suas esposas, seus maridos, hoje?
Eu prefiro ser um louco, que aproveita a vida ao máximo, a ser como vocês; máquinas capitalistas!
Aproveitem a vida e tudo que ela lhes dá! Contemplem o belo nas coisas simples!
No desabrochar de uma rosa, no nascer do sol! Na chuva! No choro de uma criança que deseja a seiva vital!
Se todos vocês fizessem isso, não teríamos tantas pessoas depressivas, morrendo de enfarte, cheias de síndromes... Vivam máquinas capitalistas!
                                                Jefferson Piaf





Júlia. Nunca é tarde para amar...(capítulo V)

Uma visita inesperada...
                    (o destino preparou-me uma surpresa)


  









  
  Consegui outro emprego. Era uma clínica particular; atenderia às tardes, três vezes na semana. As coisas estão caminhando positivamente na minha vida. Ana estava de licença do hospital, seu bebê - Laura- estava com dois meses. Paulo estava noivo. E eu, do mesmo jeito...
  Eu estava na clínica quando a secretária me disse que tinha um homem que gostaria de falar comigo:
- Como é o nome dele Mônica?
- Ele disse que se chama Luís Octávio; precisa falar com a senhora. - fiquei muda no telefone por alguns segundos. O que ele queria comigo? Depois de tanto tempo!
- Alô? Doutora Júlia?
- sim Mônica... Diga a este senhor que eu só tenho mais uma paciente; quando eu terminar de atendê-la eu o receberei. Peça a ele que espere.
- tudo bem.
  Não entendi por que ele me procurou depois de tanto tempo. Fiquei curiosa para saber o porquê daquela visita inesperada.
    Foi a consulta mais demorada de minha vida. Estava nervosa, creio que a paciente percebeu isto:
  - Doutora Júlia?  Algo de errado comigo?
  - Não, Esther. Com você está tudo bem, e com o bebê também.
    Quando Esther saiu, minha aflição só aumentou. Pedi que Mônica mandasse-o entrar:
  - Octávio, Como você me achou aqui?
   - Eu lhe procurei você no hospital e o Paulo me disse que você estava aqui.
 - Aconteceu alguma coisa? – ele estava tão tenso quanto eu.
  - Não Júlia. Tem acontecido. – ele ficou mudo. Um breve silêncio tomou conta da sala. Após alguns minutos eu quebrei o silêncio:
 - O que tem acontecido Octávio?
- Eu não paro de pensar em você Júlia. Desde que te reencontrei naquele hospital que não paro de pensar em você.
- E por que você deixou para me procurar depois de um ano? – como sempre, minha arrogância queria falar mais alto.
 - Entenda Júlia. Eu estava muito transtornado com tudo. A morte, inesperada, de Maria Clara; meu filho; reencontrar-te. Tudo isto me deixou muito abalado. Eu primeiro precisava organizar minha vida para depois lhe procurar.
- Você tem razão. Desculpa por minha falta de compreensão.
- O que aconteceu com você Júlia?  Por que você sumiu daquele jeito?
 - você sabe muito bem. Eu era apaixonada por você, se eu ficasse aqui não conseguiria viver sem você! Se você soubesse de todo meu sofrimento, Octávio, nunca teria feito aquilo comigo. Você não sabe quantas noites eu passei acordada chorando, gritando por você... Cada segundo, cada minuto que passei na Europa eu só pensava em você!
- O que você está falando? Eu não fiz nada com você. Eu que lhe pergunto: Você sabe o quanto eu sofri? Creio que não Júlia. – pela primeira vez eu o vi chorar. Eu também não aguentei e chorei. Um choro que há muito tempo estava guardado em meu coração.
 - Este não é o momento para acusações Octávio.
 - Você que começou acusando-me com essa estória. A única coisa que sei é que você sumiu sem me dizer nada. Eu fiquei sabendo, depois de muito tempo, que você estava estudando em Paris. A Francy me contou, depois de muito eu insistir.
  - E aquela carta que você me mandou, dizendo um monte coisas horríveis? Você disse que nunca me amou; que eu era “a menininha do subúrbio”, e que sua mãe estava certa o tempo todo, você merecia algo melhor. Alguém ao seu nível. E ainda pediu na carta, que eu não o procurasse, nunca mais. Que eu sumisse de vez e lhe deixasse em paz. Foi o que eu fiz.
 - Por Deus! Eu nunca escreveria isto. Como você pode ter acreditado nisso tudo Júlia?
 - Era sua letra Octávio. Não era uma letra parecida com a sua. Era, simplesmente, a sua letra.
 - Eu já lhe disse que eu não fiz isso Júlia! Acredite mim. Você é o amor da minha vida. Eu chorava todas as noites pensando em você. Chorando sem saber por que você tinha me abandonado. – nosso choro estava incontrolável.
 - Eu sinto muito Octávio. Eu estava enfurecida com você. Poucos dias depois de todo este acontecimento, eu recebi uma carta da universidade de Paris informando que eu tinha ganhado a bolsa para o mestrado. Você sabe que sempre foi meu sonho estudar lá. Como eu estava muito enfurecida com você, eu resolvi aceitar.
- Você foi uma irresponsável Júlia. Você não acreditou em mim. Não acreditou no homem que te amava. Você preferiu acreditar em um pedaço de papel! E eu ingênuo sofrendo por você. Sofrendo por uma pessoa que nunca acreditou em mim; que me julgou sem me dar a oportunidade de defesa. – aquela aparência sorumbática havia se dissipado, após minhas últimas palavras. Octávio olhava-me, agora, com raiva.
 - Desculpe-me, meu querido. Eu sei que errei, mas eu era muito jovem, não tinha experiência alguma.
- Não precisa se desculpar Júlia. Para mim, tudo está resolvido agora entre nós. Não irei lhe procurar mais, você nunca mereceu o amor que te dei. – ele levantou-se e foi embora como um vendaval.

 Eu queria ter sumido daquele lugar. Agora eu estava certa de que nunca Octávio iria me perdoar. Nunca mais eu o teria de volta. Meu único companheiro naquele momento era o choro. Eu não tinha forças para ir trabalhar à noite. Eu estava me sentindo péssima por tudo aquilo. Pedi que minha secretária ligasse para o hospital e informar que hoje eu não compareceria. Queria fiar sozinha, em paz.

 Só um lugar tranqüilizava-me. O mar. Resolvi ir ao marco zero do Recife. Lá era mais calmo do que a praia, e tudo o que eu precisava era de silêncio. Eu amo o Recife antigo. Aqueles prédios antigos, aquele cheiro de mar com gosto de peixe, uma sinestesia total.
   Sentei-me em um banco, fiquei bem perto do mar. Por alguns instantes fechei os olhos, pensei em tudo e ao mesmo tempo em nada.
  Depois de refletir sobre minha vida, caminhei pelas ruas antigas de Recife, quanta história tem aquele lugar. É lastimável que seja tão pouco preservado! No futuro perderemos nossa história.

Júlia. Nunca é tarde para amar...(capítulo IV)

O julgamento...
                            (Que a justiça seja feita)

    “Um ano após a morte da psicóloga Maria Clara Cavalcantti Sodré, e os acusados ainda não foram presos. O julgamento está marcado para próxima quarta feira às 8hrs da manhã, no fórum local.”
  “Em entrevista ao jornal, o viúvo da psicóloga Maria Clara Cavalcantti Sodré, o advogado Luís Octávio Cavalcantti Sodré disse que lutará até o fim para ver os acusados pela morte de sua esposa na cadeia.”

  Essas e outras notícias estavam estampadas em todos os jornais da cidade. Comprei um exemplar; tinha uma foto do Octávio na capa.
 Quando eu cheguei em casa liguei o noticiário da manhã. Aguardei alguns instantes por alguma notícia sobre o caso. Até que ela veio:
  “Está confirmado, para próxima quarta feira, o julgamento dos três universitários acusados pela morte da psicóloga Maria Clara Cavalcantti Sodré; morta em maio do ano passado, após uma batida de carro, na zona sul do Recife. A psicóloga voltava de um shopping quando seu carro foi atingido por um celta preto; onde estava três estudantes universitários, classe média alta. Os exames realizados apontaram que os três amigos haviam usado drogas, além de bebida alcoólica. A expectativa da família é grande para que tudo seja resolvido neste julgamento, e os acusados paguem pela falta de responsabilidade dos mesmos.”

  Fiquei muito triste com aquela notícia. A irresponsabilidade daqueles três “filhinhos de papai” havia ceifado a vida daquela mulher. Havia deixado um filho sem mãe. Como estaria o Octávio? Na foto do jornal ele estava com uma aparência sorumbática.
  Ao ver essas notícias, relembrei a noite do acidente.
   Um ano se passou, e os acusados ainda estavam na rua deixando todos nós sob o risco de acontecer o mesmo que aconteceu a Maria Clara. Infelizmente a justiça no Brasil só é rápida para quem não tem dinheiro. Espero que isso mude no futuro; que as pessoas sejam julgadas por seus atos, e não por bens.

  Terça-feira. Faltava um dia para o julgamento. Senti vontade de ir e ficar de longe a observar tudo. Na TV disseram que estava marcado para 8 horas da manhã. Eu não iria trabalhar nesse dia. Resolvi ir, mas não queria que me vissem. Lembrei de uma frase que li em algum lugar que não lembro:
   “Quem quer ser invisível não olha as pessoas nos olhos”.
    Eu só precisava sentar na última fileira, assim ficaria misturada a massa que assistiria o julgamento.
    O fórum estava cheio de repórteres e de curiosos, no lado de fora. A sala, onde aconteceria o julgamento, estava lotada. Consegui entrar para assistir. Fiquei na última fileira. Octávio entrou triste. Em seguida chegaram os outros participantes. O ambiente estava tenso. O juiz aparentava impaciência.
    O julgamento começou. Octávio estava nervoso. Não consegui ver ninguém da família de Maria Clara. Toda a história foi recontada. Todos ficaram emocionados com a narrativa dos fatos. Octávio chorava. Como eu queria estar ao seu lado.
    A narrativa foi interrompida. Alguém tinha desmaiado. Uma senhora esta sendo carregada por uma equipe médica. Era a sogra de Octávio. Pobre mulher! Não deve ser fácil para uma mãe estar de frente aos assassinos de sua filha, e ter de ouvir toda aquela história novamente.
   Após todos falarem, o juiz pediu uma pausa. Quando voltasse, daria a sentença final.
   Durante a pausa aproveitei para verificar meu celular, que ficou desligado. Chamadas do Paulo. Liguei para ele:
   - oi, Júlia. Você está em casa?
   - oi, Paulo. Não estou por quê?
   - está passando na TV sobre o julgamento do caso Maria Clara.
   - Eu sei Paulo. Eu estou aqui no fórum. Acompanhei todo o julgamento. Neste momento o juiz pediu um intervalo para homologar a sentença dos réus.
  - não acredito que você foi!
  - estou falando a verdade. Bem, preciso desligar. A seção irá começar. Amanhã conversamos no hospital.
- tudo bem. Quero saber tudo amanhã.
   O julgamento recomeça. A tensão na sala só aumenta. Percebo que os advogados de defesa estão impacientes.
  - Peço que todos fiquem de pé para a entrada do meritíssimo...
  Após todos os proclames jurídicos, o juiz dá a sentença:
  - Acusados por crime culposo...
   A platéia vibrou de alívio. A justiça foi feita, ao que parece. Os advogados de defesa afirmaram que iria recorrer, mas os acusados teriam que aguardar na cadeia.
   Assim que o juiz pronunciou a sentença, fui embora. Preferi evitar o tumulto quando acabasse. Eu não queria encontrar Octávio ou alguém de sua família.
  No caminho para casa liguei o rádio; queria saber mais notícias:
 “Após duas horas e meia de julgamento, os três estudantes foram acusados por homicídio culposo, sem intenção de matar. A sensação, da família e dos amigos da psicóloga, é de alegria. A família não quis falar com a imprensa. O julgamento foi tenso. A mãe da psicóloga desmaiou depois de uma hora de iniciado o julgamento, sendo socorrida pela equipe do SAMU que estava presente. Mais notícias em breve.”
                    Desliguei o rádio...

sábado, 20 de novembro de 2010

Júlia. Nunca é tarde para amar.(capítulo III)

 Uma breve conversa...
   (as vezes precisamos reconhecer nossos erros)

  
  Acordei feliz como nunca. Era meu dia de folga, só iria trabalhar à noite. Não queria ficar em casa. Queria sair por aí. A cidade é muito grande, e tem diversas formas de lazer.  Pensei em ir à praia. Depois eu decidiria para onde ir. O que eu queria era aproveitar meu dia.
   Liguei para Ana, ela estava de plantão. O Paulo também. Fui abandonada por eles! Eu não queria ficar em casa, então, resolvi ir só.
   A praia estava linda como sempre. Dessa vez sem chuva. Em frente à feirinha de Boa Viagem. Sempre que vou à praia fico por lá. Uma das partes mais calma, em minha opinião.
    Tudo parecia que cooperava para o meu bem nesse dia. O sol estava radiante. O mar estava calmo. Reflexivo.
  Por alguns instantes, esqueci completamente quem eu sou. Esqueci que era a Doutora Júlia Barreto. Naquele momento eu era só uma transeunte.
  À tarde fui ao cinema no shopping perto da praia. Vi uma comédia; que eu adorei. Fez me rir muito. O dia estava acabando e eu precisava voltar para casa e me ajeitar; uma longa noite de trabalho estava a minha espera.

   Quando cheguei ao hospital encontrei a Ana:
   - “Doutora Júlia!” Uma médica como a senhora não pode tirar folga! – a Ana sempre irônica comigo. Ela reclamava do meu perfeccionismo profissional.
  - Pois é “Doutora Ana”, às vezes precisamos nos cuidar. Afinal, nós temos que estar bem para cuidar de nossos pacientes. – rimos.
  - Ai Júlia! Como fico feliz em saber que você aproveitou sua folga. Sinto muito por não ter lhe acompanhado.
  - Não tem problema Ana. Foi melhor eu ter ficado só. Eu precisava refletir sobre minha vida. – neste momento, Ana olhou-me com uma cara intrigada. Uma dúvida transparecia em sua face.
  - Ainda Octávio, Júlia? – eu temia que ela perguntasse isso.
 - Ainda o Octávio Ana! Por mais que eu tente não lembrar, eu não consigo Ana. Ainda tenho a imagem do cinismo dele me dizendo que não disse nada!
  - Sabe o que penso disso tudo Júlia?
  - O quê Ana? Pode falar.
  - Nada está resolvido entre vocês, como você costuma dizer. Acho que vocês precisam conversar.
  - Não é fácil para mim, Ana. O Octávio foi o homem que mais amei. Ele me enganou. Nós tínhamos planos, e ele se esqueceu disso!
 - Será que foi assim mesmo, Júlia? Será que só ele errou? Você não teve provas de nada, foram só hipóteses!
- Era a letra dele, Ana! Não tinha como eu não acreditar.
- Você nunca procurou saber dele sobre essa história. Tenho certeza que até hoje ele não sabe o que aconteceu, de verdade. Simplesmente você acreditou no que estava escrito em uma folha de papel e fugiu. Pegou o primeiro avião para Paris. Você foi imatura Júlia, e até hoje sofre por causa de sua irresponsabilidade.
- Agora você está defendendo-o Ana? – fiquei ligeiramente enfurecida com aquela conversa.
- Não estou a defender ninguém! Só estou lhe aconselhando, como sua amiga. Você precisa procurá-lo e esclarecer tudo. Você é orgulhosa demais; isto não é bom. Ligue para ele e chame-o para conversar.
  CONVERSAR Júlia. Só através de um diálogo, sem brigas, que você saberá a versão dele sobre o ocorrido.
  - Você está completamente certa. Eu fui imatura. Não dei oportunidade para que ele se defendesse, fui logo o julgando. – um leve choro tomou conta de mim. Senti-me desgastada por dentro. Eu errei também.
 - Muito bem minha amiga. Você precisa reconhecer que errou. Procure-o, mesmo que vocês não voltem, mas você resolverá isso, e só assim seu sofrimento acabará.
- muito obrigada Ana. Você e o Paulo são muito especiais para mim. – o choro ainda continuava. Abraçamo-nos e nos despedimos.
   Saí nostálgica daquela sala. Tudo o que Ana havia dito era verdade. Eu precipitei-me, como fiz em minha vida toda. Mas eu estava com raiva dele e não pensei em nada. Agi sem medir as consequências; e estava pagando por isso.
   Por mais que eu desejasse, não tinha coragem de procurá-lo. Meu orgulho, ainda, é muito forte.
 “Você é orgulhosa demais; isto não é bom.”
   Essas palavras ficaram gravadas em minha mente por muito tempo. Ela tinha razão. Eu era muito orgulhosa. “Cabeça dura”, como o Octávio sempre me chamava.
   Passei o resto da noite triste. Meu dia foi tão bom! Mas eu precisava escutar tudo aquilo.
  No refeitório encontrei com o Paulo e com a Ana:
  - Júlia, como você está bronzeada!- comentou Paulo.
  - Pois é, aproveitei o máximo que pude do sol. – rimos.
  - Tudo bem Júlia?- perguntou-me Ana.
  - Tudo sim, Ana. Muito obrigada por tudo. Refleti sobre tudo o que você me disse.
  - O que aconteceu que eu não fui informado? – Paulo não estava a entender sobre o que falávamos.
  - A Júlia com seu amor platônico! Depois eu te conto melhor – falou ironicamente Ana.
- Não Júlia! Ainda essa história com o Octávio? Pensei que você tivesse resolvido.
 - Não é fácil Paulo. - falei com raiva. As pessoas acham que tudo é muito simples, quando não acontece com elas.
 - Bem, vamos esquecer essa história do Octávio. Conte-nos como foi seu dia Júlia. Pelo o que me parece foi ótimo! –salvou-me a Ana. Eu não queria falar novamente neste assunto.