Fonte: http://cogumelolouco.net/fotos-de-casais-dia-dos-namorados/
Tarde quente. Ônibus cheio. Eles entram. Ela na frente e com
cara de poucos amigos, ele vem depois e com cara de quem levou um pé na bunda,
e levou. Não há cadeiras pareadas. Ela senta na frente e ele na cadeira
posterior. Por alguns instantes ele pensa em deixar para lá e aceitar os fatos.
Mas volta a insistir. Em meio ao burburinho do ônibus, gente gritando: vai descer;
gente que conversa alto; um motorista que escuta uma rádio piegas, o trânsito
infernal das 18hrs, ele suplica por uma segunda (ou quem sabe até milionésima)
chance.
Na cadeira da frente
ela se mantém irresoluta, e apenas balança a cabeça negativamente. Não tem
volta. De repente ela transparece uma tristeza; como se estivesse perdida no
tempo. Por alguns instantes ele continua falando, mas ela está como uma pedra:
não esboça nenhuma resposta, talvez não o esteja escutando. Mas ele segue com
seu discurso monótono e repetitivo, entretanto de forma discreta. Quem
estivesse do outro lado do ônibus jamais perceberia que ali dentro há um (ex)
casal. E mesmo que ele estivesse aos gritos não seria percebido, as pessoas
andam ocupadas demais com suas corriqueiras vidas; e
quem se importa com um jovem casal de namorados em chamas? E quantos casais,
diariamente, não brigam ali naquele mesmo lugar? São os calores da idade, depois
voltam... Às vezes ele fica calado, e tudo que se escuta é a confusão de vozes
ao redor. Mas como numa tentativa suicida ele volta a insistir euforicamente.
Ela muda de assunto,
fala que chegarão atrasados na faculdade, e que o trânsito tem ficado cada vez
pior. Inútil. Ele continua deflagrando as mesmas palavras, repetindo sua oração
pessoal. Ela tenta não perder a paciência, e se mantém repetindo que não, ora
conversa sobre outras coisas, ora silencia. Pedro liga, e por um curto tempo
ela se ocupa. Seu rosto muda; do outro lado da linha Pedro fala alguma coisa
que a faz gargalhar alto. Ele, atrás, expressa sua raiva de coração partido.
Pedro desliga, e o rosto dela volta ao estado lúgubre de antes. Entram duas
senhoras, altas e magras e com cara de solteironas, e se posicionam ao lado de
eles. Elas conversam alto, mal ela pode ouvi-lo. No fundo ela agradece àquelas
senhoras que conversam sobre Marcinha, a filha de Gertrudes, que não quer
estudar e só pensa em namorar; onde já se viu isso. Tudo culpa de Gertrudes que
não deu umas boas palmadas na danada. Ela concorda mentalmente: tudo culpa de Gertrudes
mesmo!
Ele se cansa, é impossível competir com os vozeirões das
duas senhoras. Elas descem, para alívio dele. Sede. Ele começa a aceitar a
derrota, não há mais nada que se possa fazer. Ela está decidida. O motorista troca a estação de rádio. Toca uma
música e logo ele ri. Ela enche os olhos de lágrimas, mas ele não pode ver. Ela
não quer voltar atrás, e continua estática como se não se importasse com tal
música. E, como última tentativa, ele diz algo inaudível em seu ouvido. Coisa
com duração de alguns segundos, mas que a fez chorar. Ela enxuga o rosto e diz:
NÃO. Time is over, vamos descer na
próxima já. Acho que vai chover. Esqueci o guarda-chuva. Droga!
Jefferson Piaf