quinta-feira, 15 de agosto de 2013

As perspectivas da vida.


-Para Alice Mendes, uma das pessoas que mais amo, e uma das poucas que consegue me decifrar com apenas um olhar.
Resolvi dormir. Fui me desconectar. Acordei descalço e pisando em um chão áspero, incerto e ao mesmo tempo aconchegante. Quanto mais eu andava mais eu não sabia aonde ia, ou aonde queria chegar. Na verdade eu não queria chegar a lugar nenhum; apenas andar.  Eu encontrei árvores, e eram diversas.  Eram tão acolhedoras; ahhh, como eu precisava disso! Elas entenderam meu pedido de socorro, e como uma mãe que salva o filho em perigo, apenas estenderam tentáculos e me acolheram. Senti-me tão protegido que não queria sair mais dali. Estar envolto a elas era a melhor sensação. Eu não pensava em nada, não tinha responsabilidade. Eu era apenas Eu e mais nada, sem muitos protocolos. Mas de repente me vi sem todo aquele afeto. O chão instável voltou, era tudo tão afável que nem percebi que ele tinha sumido. Uma rosa cálida e sombria brotou de um rasgão no meio do caminho e me dominou. Depois disso passei a ficar inseguro sobre tudo, sobre a vida. Se é que havia noção de vida. Mas algo me impulsionava a continuar em busca do improvável, em busca de mim. Era o mal mais necessário que o amor. Foi aí que o conheci. Ai o amor, tão meigo e tão efêmero.  Chegou tão sutil; uma pequena semente que germinou bem a baixo dos meus pés e, rapidamente, se alastrou por todo corpo. Quando dei por mim já estava envolto em suas ramificações. Logo brotaram frutos espalhados por todo meu corpo. Podia-se ver essa felicidade de onde quer que eu estivesse. Eu exalava-o de forma espontânea. Mas apareceram bichos sombrios e famintos. Lobos, tigres, gatos selvagens e todos os outros... Eu tentei com todas as minhas forças correr, me livrar deles, mas foi inútil: Eles comeram todos os frutos, o amor ficou devastado e... Morte. De imediato o sentimento trazido pela rosa, lá trás, tomou conta de mim novamente e criou uma capa escura no meu coração. Eu continuei buscando naquele caminho o que, na verdade, eu mesmo não conseguia me proporcionar mais; o que aqueles animais horrendos deceparam de mim. Eu comecei, involuntariamente, uma busca infindável de mim mesmo, dos meus sentimentos que estavam diluídos, a vida é líquida meu bem. E nessa busca infindável: ora eu me perdia, ora eu achava que me achava, e tudo voltava ao ponto inicial: desordem.  Às vezes eu tinha a impressão que era melhor seguir fingindo que estava bem, que era feliz, e que não precisava de todos aqueles melodramas. Até que as noites frias chegavam, e traziam  chuva e solidão para amargar, ainda mais, meu âmago. E os poucos fui criando um personagem tão ácido, tão frio e tão perfeitamenteinterpretÁvel que até eu me confundia; havia situações que eu não sabia se era eu ou ele. Todos, de uma forma ou de outra, criam personagens como este. Algumas pessoas apenas desenvolvem-nos com mais intensidade. E essa mesma intensidade vezÔOutra gera certos desequilíbrios psíquicos que até Freud ficaria sem explicações palpáveis. E falando nisso meu surreal é tão trabalhado, não por culpa minha ou da vida. Na verdade não se pode usar a palavra culpa ou ainda culpado. Esse personagem perfeitamenteinterpretÁvel com uma capa blindada de chumbo esconde um ser frágil, medroso e inofensivo. Um ser que só se permitiu sair ao mundo uma única vez e não teve a melhorDasexpEriências que se pode ter. Daí foi preferível se esconder dentro dessa capa incorruptivelmenteIncorruptível.

Levantei atrasado, corri para tomar banho. Não dava mais tempo de tomar café. Enquanto eu rodava a chave na trinca da porta para ir ao trabalho eu pensei: Árvores doces, ai, árvores...


Jefferson Piaf
 


sexta-feira, 5 de julho de 2013

Um conto lésbico esquecido numa gaveta qualquer




                           
                                -Para todas as minhas amigas lésbicas, e para as que ainda não sabem que são.


Sem nomes para não se tornar mais um personagem estereotipado, se bem que isso será um tanto complicado. Mas não darei nomes para que não se crie um laço afetivo com a coitadinha, quando isso acontece é difícil seguir depois que acaba. Hoje eu tenho a triste associação do nome Heleninha à dor, a sofrimento e melancolias; graças a uma história que li, não lembro o autor, que a personagem, Heleninha, sofria tanto que passei dias a fio pensando nela. Depois disso passei a evitar esse nome, que antes eu achava lindo. Se alguma Heleninha chegar a ler esse texto, desde já minhas sinceras desculpas. Não quero causar transtornos aos meus leitores, principalmente aos mais sensíveis. E se for pra sofrer por esse relato, que se sofra sem nomes; que quando se lembrarem da história se dê da seguinte forma: “Muito triste aquela menina sem nome do texto daquele escritor de sobrenome engraçado e descomunal”. Pois é assim que muitos leitores a verão depois de ler essa história. Muitos se identificarão, ou compararão amigas à mesma, é lamentável, mas é o que se tem para hoje, amanhã e sempre.

  Personagem sem nome, por volta dos trinta anos, só para constar uma cronologia.  Meio feminina, o trabalho exige. Mas ora tão máscula que um lutador de muay thai é uma menina perto dela. Esse ser vive enclausurado em sim mesmo. Tem uma família perfeita, aquele tipo tradicional que todos queriam ter, e quem conhece alguém que tem morre de inveja dessa pessoa, mesmo não assumindo. Sabe aquela família ortodoxia que te obriga ir à igreja toda semana, mesmo você não sendo tão praticante. Aquela mãe que te acorda todos os dias com leite quente na cama, e se você não toma ela fica extremamente chateada. Era uma casa tão perfeita que a personagem se sentia uma herege por ter certos sentimentos; do tipo de desejar aquela prima gostosa que passava os finais de semana em sua casa. Era um pecado terrível, mas todo pecado é terrível, independente do grau de profundidade. As reuniões de famílias eram os piores momentos de sua vida, vê-la (a bendita amada e idolatrada prima, salva salve amém!!!) era destruidor, principalmente quando ela resolvia aparecer com aquele shortindo que mal cobria as vergonhas, geralmente nas manhãs febris de domingo.

   No  trabalho era outro terror: Sempre que chegava uma estagiária nova, ela não tinha paz consigo mesma. Ao mesmo tempo era requerido um posicionamento feminino, a sociedade sempre cobra isso: Atitude de um macho, dominador da tribo sem perder o salto 15 e a maquiagem impecável. Quando se tem uma posição social superior, o que é o triste e frustrante caso da nossa amiga descrita desde as primeiras linhas desse fúnebre texto, é necessário que se tenha uma postura impecável. Essa dualidade estava  D-E-S-O-R-G-A-N-I-Z-A-D-A-M-E-N-T-E  dentro de ela. Viver fingido que era feminina era pior que ter que ir aos encontros religiosos promovidos pela família no domingo. Era como se um corpo estranho habitasse dentro de si. No começo foi estranho, mas a vida não lhe deu outra opção, então o que se tinha a fazer era acostumar-se com a situação e ir levando do jeito que se consegue. Ora feliz, ora triste, ora tão cansadas que por vezes ela esquecia dessa confusão toda.

   Mas chega uma hora que é necessário surtar, e ela não estaria livre disso. Por que quando é chegada, por mais que se omita ou se finja que não é consigo, ela (a hora) é mais forte que qualquer outra coisa. Pois bem, a menina que usara roupa social durante muito tempo acordou irritada com todo aquele guarda-roupa repleto daquelas roupas e saltos que não a identificavam; fez uma santa fogueira da inquisição com tudo aquilo. Resolveu que não iria trabalhar hoje e por muito tempo, não para aquele corporativismo medíocre e taxativo. Acordou de bem com a vida, amém, foi ao cabeleireiro e mandou cortar Joãozinho: máquina um  na lateral e na frente mais soltinho. Comprou um short jeans descolado, desses bem moderninhos que alguns adolescentes andam usando por aí, um óculos retro e degradé (sempre teve vontade de ter um desses). Calçou um All Star preto com detalhes brancos, foi no trabalho e sambou em cima da mesa. Pediu demissão. Comprou com cadilac preto e resolveu viajar por aí. Reinventar-se...

P.S: Vez em quando ela manda notícias, há quem diga que ela está muito bem.
                                                                                                                                                     
                                                  Jefferson Piaf.

sábado, 26 de janeiro de 2013

As nuances da Vida


Pediram-me um texto sobre a vida. Logo hoje que estou de péssimo humor, e justo eu que tenho vivido um turbilhão de tudo e de nada ao mesmo tempo. Precisei viajar profundamente em mim para, oxalá, entender o conceito de “V-I-D-A”, palavra que há muito não tenho um significado concreto. Foi complicado! Percebi que meu eu está desmistificado em vários “eus”, um mais confuso que o outro... E o somatório de eles é melhor nem comentar. Cheguei também a humilde conclusão que a vida é fragmentada em momentos, em “vidas” que juntas dão o significado e características principais ao que somos, a como estamos. Novamente insisto em não querer pensar sobre a junção das minhas “vidas”. Tenho a impressão que às vezes é melhor permanecer na bagunça; Por que até ela tem um toque de organização. Quando tudo está no seu perfeito lugar, a Vida se torna entediante. Não temos o que pensar, nem com o que se preocupar, ou muitas vezes com Quem se preocupar.




     Mas consegui, após um bom tempo de reflexão, dar um significado válido ao que posso chamar de vida. Creio que alguns irão se identificar por viver o mesmo, ou por ter vivido outrora. Meu Eu hoje é um menino em transição à vida adulta, cheio de perguntas, medos e ânsias.  E esse menino está num trem EXPRESSO. Mesmo que ele queira não tem como parar! Não há tempo para isso. Erros cometidos têm que ser rapidamente superados e atropelados, a vida segue rápido, o raciocínio tem que ser mais rápido ainda. O menino não tem muito tempo para pensar, aqui esse danado de tempo voa a mil! Cada estação passada é um momento vivido, que logo é deixado para trás independente de tê-lo superado ou não. Às vezes o menino quer chorar, mas ele não pode mostrar fraqueza! Desde o começo ele saberia que não seria fácil, cada escolha gera uma consequência, e nem sempre esse resultado é o escolhido por nós, aceitá-lo ou não é outra escolha, mas conviver com ele é uma obrigação. Aos poucos algumas coisas vão se concertando, algumas dúvidas também ficam no passado à medida que a locomotiva avança freneticamente. Mas o menino não está só, ele tem amigos que sempre estão por perto, e sempre se renovam, mesmo alguns tendo preferido continuar a viagem em outro vagão, só cabe a ele lamentar-se. Nesse decorrer insólito o jovem menino vai sentindo as nuances da vida, vai adquirindo novas experiências e ficando maduro. Enfim o objetivo da viagem aos poucos é atingido. Ele espera que no final de tudo as coisas estejam organizadas, mas não como um todo. A bagunça dá um toque diferente ao viver. Algumas dúvidas ainda insistem em permear a cabeça do menino, mas ele não se detém a elas, por que ele acredita em algo sublime, algo superior as divindades criadas pelos humanos. E é essa fé cega que o faz sonhar, e lá no fundo ter a certeza que tudo ficará bem. Tudo é uma questão de tempo! Quanto aos amores? Ele os vê como as árvores que passam pela janela: Algumas floridas, outras carregadas de belos frutos, e aquelas secas; sem folhas, sem nada. Mas todas ficaram para trás, ficaram plantas em momentos distintos da vida dele. Ficará as lembras, por que elas sempre serão inerentes ao ser humano. Quanto ao fim dessa viagem, dessa “vida” em fragmento, o menino não sabe. Ora ele pede para que chegue logo a próxima “vida”, ora ele pede para congelar nessa. Mas o entrem caminha incontrolável, o apitar surdo desse trem acelera mais ainda o coração em mudanças, e quanto mais avança maior é o desejo de galgar novos terrenos, principalmente os terrenos áridos desse menino.

                 Jefferson Piaf

sábado, 5 de janeiro de 2013

A morte do Gato








Nunca mais se ouvirá o miado juvenil do pobre gato. Agora jaz! Largado sobre o gélido asfalto, ele olha fixamente para O nada. Vai ver que não sentiu dor, não houve derramamento de sangue...  Não se sabe seu nome, se é que o tinha. E sua história? Sua dona? Agora ele é só algo, sem vida, deixado para trás. Os amigos o cercam na tentativa de entender o que se passa ali. Por que ele não se mexe? E não precisa ser nenhum tradutor da linguagem dos felinos para entender os miados frenéticos!  O mais velho do bando tenta se aproximar do corpo e ensaia um miado entrecortado, se fosse humano aposto que diria o seguinte: “Hey companheiro! O que houve? Levanta daí cara e vamos caçar ratos”. Nenhuma resposta, ele continua imóvel. Os outros amigos continuam assustados em volta dele, os olhos quase pulando do rosto. Vez ou outra algum tenta chegar perto, mas logo recua. O chefe continua tentando levantá-lo, mas como das demais vezes é em vão. Ele não se mexe. Cartada final: “Hey cara, levanta já daí. Essa brincadeira de estátua não tem mais a menor graça, você já venceu. Sai já daí, já vem o cachorro!” Ele continua com a mesma feição. Os outros gatos não aguentam mais esperar por esse teimoso, e seguem a arruaça noturna. Ele que se vire. Com o tempo ele será esquecido, quiçá ficará uma vaga recordação de um filhote brincalhão que sempre era o mais afoito da turma, não tinha medo de nada. As horas se passam e ele continua lá, jogado. A luz, do único poste que funciona dá destaque àquele bicho esquecido; principalmente aos seus olhos,  cor de mel, arregalados. Passam senhoras, algumas olham sem a menor preocupação, outras lamentam, fazem o sinal da cruz, uma repreende a outra por isso! É heresia rezar por bicho, gato não é gente... Um grupo de amigos passa ao lado do gato, e param para contemplá-lo! A mais sensível lamenta-se pelo acontecido, além de se perguntar milhares de vezes como isso aconteceu com o coitado, será que foi um carro? Será que foi proposital? Nunca se saberá as respostas dessas e de outras perguntas sobre o mesmo. O mais humano dirá que era só um gato, muitos outros ficaram no mundo. O mais utópico diz que o evento dá uma crônica: A morte do gato... E ele vai gritando rua adentro! A MORTE DO GATO.  Sua dona sentirá sua falta nos primeiros dias, ele sempre saía à noitinha, mas voltava assim que o dia raiava. Ele não voltará mais. Por via das dúvidas ela deixará sempre sua ração com leite no mesmo lugar, vai que ele resolve aparecer em casa. Ela, a princípio, acredita que o bichano pode ter perdido o caminho de casa, logo achará. Depois ela passará a acreditar que alguém sem coração o levou para longe, e se convence de que não irá ver seu filhote crescer e virar um gato adulto (Ninguém verá), quanto a isso ela acerta. Ele será substituído por outro gato, ou até um animal genérico. A aurora anuncia a chegada de um novo dia e o gato continua lá. Os homens da coleta de lixo passam nas primeiras horas do dia e dão de cara com o corpo do gato, pegam o animal pelas patas traseiras e jogam no caminhão. Problema resolvido! Os primeiros transeuntes  não verão mais aquela cena triste. O local do crime já está limpa! No decorrer dos dias muitas pessoas pisarão onde jaz um gato, muitos carros pararão bem no local, muitos pneus passarão por lá, crianças brincarão ao redor, amigos se reencontrarão naquela rua, risos e choros... E ninguém saberá que justo ali morrera um gato, ou melhor, um frágil F-I-L-H-O-T-E de gato.


                               Jefferson Piaf