Nunca mais se ouvirá o miado juvenil do pobre gato. Agora
jaz! Largado sobre o gélido asfalto, ele olha fixamente para O nada. Vai ver
que não sentiu dor, não houve derramamento de sangue... Não se sabe seu nome, se é que o tinha. E sua
história? Sua dona? Agora ele é só algo, sem vida, deixado para trás. Os amigos
o cercam na tentativa de entender o que se passa ali. Por que ele não se mexe?
E não precisa ser nenhum tradutor da linguagem dos felinos para entender os miados
frenéticos! O mais velho do bando tenta
se aproximar do corpo e ensaia um miado entrecortado, se fosse humano aposto
que diria o seguinte: “Hey companheiro! O
que houve? Levanta daí cara e vamos caçar ratos”. Nenhuma resposta, ele
continua imóvel. Os outros amigos continuam assustados em volta dele, os olhos
quase pulando do rosto. Vez ou outra algum tenta chegar perto, mas logo recua.
O chefe continua tentando levantá-lo, mas como das demais vezes é em vão. Ele
não se mexe. Cartada final: “Hey cara,
levanta já daí. Essa brincadeira de estátua não tem mais a menor graça, você já
venceu. Sai já daí, já vem o cachorro!” Ele continua com a mesma feição. Os
outros gatos não aguentam mais esperar por esse teimoso, e seguem a arruaça
noturna. Ele que se vire. Com o tempo ele será esquecido, quiçá ficará uma vaga
recordação de um filhote brincalhão que sempre era o mais afoito da turma, não
tinha medo de nada. As horas se passam e ele continua lá, jogado. A luz, do
único poste que funciona dá destaque àquele bicho esquecido; principalmente aos
seus olhos, cor de mel, arregalados.
Passam senhoras, algumas olham sem a menor preocupação, outras lamentam, fazem
o sinal da cruz, uma repreende a outra por isso! É heresia rezar por bicho,
gato não é gente... Um grupo de amigos passa ao lado do gato, e param para
contemplá-lo! A mais sensível lamenta-se pelo acontecido, além de se perguntar
milhares de vezes como isso aconteceu com o coitado, será que foi um carro?
Será que foi proposital? Nunca se saberá as respostas dessas e de outras
perguntas sobre o mesmo. O mais humano dirá que era só um gato, muitos outros
ficaram no mundo. O mais utópico diz que o evento dá uma crônica: A morte do
gato... E ele vai gritando rua adentro! A MORTE DO GATO. Sua dona sentirá sua falta nos primeiros
dias, ele sempre saía à noitinha, mas voltava assim que o dia raiava. Ele não
voltará mais. Por via das dúvidas ela deixará sempre sua ração com leite no
mesmo lugar, vai que ele resolve aparecer em casa. Ela, a princípio, acredita
que o bichano pode ter perdido o caminho de casa, logo achará. Depois ela
passará a acreditar que alguém sem coração o levou para longe, e se convence de
que não irá ver seu filhote crescer e virar um gato adulto (Ninguém verá),
quanto a isso ela acerta. Ele será substituído por outro gato, ou até um animal
genérico. A aurora anuncia a chegada de um novo dia e o gato continua lá. Os
homens da coleta de lixo passam nas primeiras horas do dia e dão de cara com o
corpo do gato, pegam o animal pelas patas traseiras e jogam no caminhão.
Problema resolvido! Os primeiros transeuntes
não verão mais aquela cena triste. O local do crime já está limpa! No
decorrer dos dias muitas pessoas pisarão onde jaz um gato, muitos carros
pararão bem no local, muitos pneus passarão por lá, crianças brincarão ao
redor, amigos se reencontrarão naquela rua, risos e choros... E ninguém saberá
que justo ali morrera um gato, ou melhor, um frágil F-I-L-H-O-T-E de gato.
Jefferson Piaf
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