quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Querida Ana, tenho pensado muito em minha vida nos últimos tempos. Essa triste doença tem ceifado minhas forças mais e mais. Resolvi escrever-te essa carta antes que seja tarde. O tempo que tenho passado aqui no asilo tem sido muito importante para mim. A solidão tem me ensinado muitas coisas. Ela tem me mostrado o quanto é ruim ser abandonado por todos! Mas eu caí no buraco cavado por mim mesmo.
Parece que foi ontem que éramos jovens. Lembras? Éramos dois loucos, Ana. Sinto muita falta de nossa juventude, de nossa geração. Hoje eu percebo quão feliz eu era ao teu lado. Tarde demais pra sentir tua falta; teus conselhos, assim como de tuas reclamações.
A vida é uma peça em três atos, minha jovem Ana. O primeiro ato é a infância. Época de descobertas! Lembro de minha infância com um gosto de terra; de vento; de sonhos... Corríamos desesperadamente pelas ruas de nosso bairro. Eu só pensava em brincar e em ser eternamente criança.
Mas o primeiro ato se vai e junto a ele os sonhos de menino. A adolescência inicia o segundo ato. Eu fui um adolescente muito rebelde, espero que nossos filhos não tenham muito de mim na adolescência!  Naquele tempo minha vida se resumia a Rock in Roll. Minha mãe ficava louca comigo! Meu pai dizia que era coisa de adolescente. Eu só estava vivendo uma pequena fase... Ele só errou quanto à pequena!
Lembras de quando nos conhecemos naquele show?  Nossos amigos nos juntaram. Eu era o “porra-louca”, e você era a politicamente correta. Você foi a mulher que mais amei, porém, eu fui um estúpido-como em toda minha vida- com você... Minha irresponsabilidade afastou-me de ti. Guardo em meu peito até hoje uma tristeza por tudo que te fiz.  Infelizmente a ciência não avançou ao ponto de criar uma máquina de voltar no tempo, como nos filmes. Se essa máquina existisse eu queria uma para mim. Voltaria ao passado e concertaria toda minha vida.
A vida adulta chegou e eu continuava o mesmo adolescente rebelde! Sofro muito quando me remeto até meu passado e Lembro-me das oportunidades que não aproveitei. Sofro em recordar os amigos que perdi por causa de meus vícios...
Continuando a falar sobre os três atos que formam a vida... Prometo que serei breve, não quero e não tenho o direito de atrapalhar mais tua vida com minhas lamentações de velho. O segundo ato acaba com a chegada da velhice. O terceiro ato parece o fim. Pode até ser para algumas pessoas! Para outras é só o começo de muitas coisas boas... É uma lástima que eu não posso fazer parte destas.  Meu terceiro ato se resume a uma cama, e a um monte de remédios; eles que me mantêm vivo. Sinto muita falta do meu espírito de menino sonhador, não sei o que se fez dele! Não há tempo para lamentações, minha querida Ana.
Sei que tu não estás a entender nada. Realmente, é muito estranho eu escrevendo para ti. Como disse no começo da carta, eu tenho pensado muito em minha vida, e por isso resolvi escrever. Resta-me pouco tempo aqui na Terra, e não quero morrer sem pedir-te perdão por tudo que te fiz. Peço-te que me perdoes com esse teu coração doce e bondoso. Por favor, Ana, não guardes nenhuma mágoa do passado. É difícil perdoar, principalmente quando alguém nos fez sofrer, eu tenho plena consciência que te fiz muito mal, mas insisto que me perdoes... Peço também outra coisa: por favor, não venhas me visitar! Não quero que me vejas nesse estado, com esse corpo hermético!
Vou ficando por aqui minha doce Ana. Fico com a lembrança dos momentos bons de minha vida e todos os momentos que estive ao teu lado.

                                                                    Paulo César.


                                                                       Por: Jefferson Piaf

Um comentário:

  1. lindo texto,amigo...como os demais,emociono-me sempre que os leio.Um cara como vc,jovem,bonito e com um talento nato para 'brigar' com as palavras e delas tirar poemas,textos tão sentidos,crônicas...realmente,é raro de encontrar...estou muito feliz e realizado em ter conhecido um amigo especial como vc...continue nos contemplando com suas escritas,meu amigo

    ResponderExcluir