Manhã de sábado na favela. Dia de feira. Logo cedo, donas de casa descem as escadarias rumo às compras. Um alarido sem fim. Meninos a correr. Mães a gritar:
-Vamo menino!
- Pára menino!
É sábado na favela. Dia de festa. A favela amanhece diferente no sábado. O sol aparece com um brilho maior. Lá em baixo é a maior gritaria:
- Olha a banana, ta na promoção freguesa!
- A laranja ta fresquinha! – gritam os feirantes; passam a manhã disputando o gosto das freguesas.
As mulheres correm como loucas quando escutam a palavra promoção. Perdem-se as sacolas, perdem-se as sandálias, perdem-se os meninos, só não se perde a promoção!
Foi em uma manhã de sábado que tudo aconteceu. Ouvi-se um burburinho vindo da casa de Maria. Era final de feira. As mulheres voltavam cheias de sacolas e com um sorriso, enorme, estampado no rosto:
- AAAAAAAAAAAI meu Deus! Eu não acredito! – ecoava o grito vindo da casa de Maria.
- O que aconteceu na casa de Maria?- perguntou umas das mulheres ao grupo que seguia de volta para casa.
- Quem lá sabe! Esse povo hoje em dia ta tudo doido cumade. –respondeu a outra com um ar de curiosidade esticando o olho para dentro da casa de Maria.
- NÃO PODE SER MAMÃE! AI MEU DEUS!- outro grito na casa de Maria. O barulho do lado de fora ficou pior. As mulheres interromperam a peregrinação e ficaram todas aglomeradas em frente à casa para ver o que acontecia lá dentro:
- será que foi assalto?
- Sei não, acho que é sequestro. Deve ta todo mundo lá dentro de refém!
- Vamo chamar a polícia.
- É melhor não, nunca se sabe do que esse povo é capaz!
A confusão em frente à casa de Maria ia crescendo com o passar do tempo. Cada nova pessoa que chegava opinava:
- Eu acho que assassinaram alguém aí dentro. Devem ta escondendo o corpo pelo silêncio. – palpitou um senhor que acabara de chegar.
- Sai daí velhote, que assassinato que nada, tenho certeza que tem estupro nessa história. – falou dona Joana; a maior fofoqueira da favela.
- Deixe de ser fofoqueira Joana! Alguém deve ter morrido de enfarte, aposto como foi isso. Tá na moda morrer de problema no coração, hoje em dia. – gritava uma velha lá do fundão.
- olha, agora tão chorando! Estão correndo. Será que o bandido vai sair? Abaixa que é tiro gente!
Foi uma correria danada. Na confusão, muitas mulheres perderam as sacolas, um desperdício, uma manhã de feira perdida. Crianças caídas no chão a chorar. Senhoras empurradas pela turba que corria. Sandálias esquecidas no chão. A gritaria foi tão grande que todos que estavam na casa de Maria escutaram.
Logo que ouviu a bagunça, tia Carmita colocou a cabeça na janela do primeiro andar:
- Que gritaria é essa minha gente?
- Fale baixo, dona Carmita!
- Falar baixo por que seu João?
- Ele pode querer sair dona Carmita.
- Ele quem homem de Deus?
- O ladrão Carmita! – gritou uma mulher, que nessas alturas estava toda suja, sem a sandália esquerda, com o cabelo assanhado...
- Ladrão nada, o estuprador! – Gritou Joana, irritada.
- Fique quieta aí Joana. Conte-nos logo Carmita, quem morreu de enfarte?
- Que confusão é essa? Não estou entendendo nada! Que estória é essa de estuprador, ladrão, enfarte? Vocês estão ficando doidos é?
- Então que gritaria foi essa aí dentro, Carmita? – falou dona pretinha, toda bagunçada, com uma cara mais feia que cara de cachorro Pit Bull. A pobre da dona pretinha perdera a prótese dentária na hora da correria.
- A gritaria? Aaaah... Foi Laurinha, filha de Maria, que passou no vestibular!
O problema foi resolvido. Todos saíram desconcertados, procurando os perdidos. Nada de ladrão, nada de estuprador, nada de enfarte. Toda aquela gritaria era de felicidade!
Jefferson Piaf
doidera, mano! Gostei muito do seu texto. Representa bem o morro. Sua maneira de descrever o cenário é bem interessante!
ResponderExcluir