terça-feira, 7 de dezembro de 2010



Manhã de sábado na favela. Dia de feira. Logo cedo, donas de casa descem as escadarias rumo às compras. Um alarido sem fim. Meninos a correr. Mães a gritar:
-Vamo menino!
- Pára menino!
É sábado na favela. Dia de festa. A favela amanhece diferente no sábado. O sol aparece com um brilho maior. Lá em baixo é a maior gritaria:
- Olha a banana, ta na promoção freguesa!
- A laranja ta fresquinha! – gritam os feirantes; passam a manhã disputando o gosto das freguesas.
As mulheres correm como loucas quando escutam a palavra promoção. Perdem-se as sacolas, perdem-se as sandálias, perdem-se os meninos, só não se perde a promoção!
Foi em uma manhã de sábado que tudo aconteceu. Ouvi-se um burburinho vindo da casa de Maria. Era final de feira. As mulheres voltavam cheias de sacolas e com um sorriso, enorme, estampado no rosto:
- AAAAAAAAAAAI meu Deus! Eu não acredito! – ecoava o grito vindo da casa de Maria.
- O que aconteceu na casa de Maria?- perguntou umas das mulheres ao grupo que seguia de volta para casa.
- Quem lá sabe! Esse povo hoje em dia ta tudo doido cumade. –respondeu a outra com um ar de curiosidade esticando o olho para dentro da casa de Maria.
- NÃO PODE SER MAMÃE! AI MEU DEUS!- outro grito na casa de Maria. O barulho do lado de fora ficou pior. As mulheres interromperam a peregrinação e ficaram todas aglomeradas em frente à casa para ver o que acontecia lá dentro:
- será que foi assalto?
- Sei não, acho que é sequestro. Deve ta todo mundo lá dentro de refém!
- Vamo chamar a polícia.
- É melhor não, nunca se sabe do que esse povo é capaz!
A confusão em frente à casa de Maria ia crescendo com o passar do tempo. Cada nova pessoa que chegava opinava:
- Eu acho que assassinaram alguém aí dentro. Devem ta escondendo o corpo pelo silêncio. – palpitou um senhor que acabara de chegar.
- Sai daí velhote, que assassinato que nada, tenho certeza que tem estupro nessa história. – falou dona Joana; a maior fofoqueira da favela.
- Deixe de ser fofoqueira Joana! Alguém deve ter morrido de enfarte, aposto como foi isso. Tá na moda morrer de problema no coração, hoje em dia. – gritava uma velha lá do fundão.
- olha, agora tão chorando! Estão correndo. Será que o bandido vai sair? Abaixa que é tiro gente!
Foi uma correria danada. Na confusão, muitas mulheres perderam as sacolas, um desperdício, uma manhã de feira perdida. Crianças caídas no chão a chorar. Senhoras empurradas pela turba que corria. Sandálias esquecidas no chão. A gritaria foi tão grande que todos que estavam na casa de Maria escutaram.
Logo que ouviu a bagunça, tia Carmita colocou a cabeça na janela do primeiro andar:
- Que gritaria é essa minha gente?
- Fale baixo,  dona Carmita!
- Falar baixo por que seu João?
- Ele pode querer sair dona Carmita.
- Ele quem homem de Deus?
- O ladrão Carmita! – gritou uma mulher, que nessas alturas estava toda suja, sem a sandália esquerda, com o cabelo assanhado...
- Ladrão nada, o estuprador! – Gritou Joana, irritada.
- Fique quieta aí Joana. Conte-nos logo Carmita, quem morreu de enfarte?
- Que confusão é essa? Não estou entendendo nada! Que estória é essa de estuprador, ladrão, enfarte? Vocês estão ficando doidos é?
- Então que gritaria foi essa aí dentro, Carmita? – falou dona pretinha, toda bagunçada, com uma cara mais feia que cara de cachorro Pit Bull. A pobre da dona pretinha perdera a prótese dentária na hora da correria.
- A gritaria? Aaaah... Foi Laurinha, filha de Maria, que passou no vestibular!
O problema foi resolvido. Todos saíram desconcertados, procurando os perdidos. Nada de ladrão, nada de estuprador, nada de enfarte. Toda aquela gritaria era de felicidade!
                       Jefferson Piaf


Um comentário:

  1. doidera, mano! Gostei muito do seu texto. Representa bem o morro. Sua maneira de descrever o cenário é bem interessante!

    ResponderExcluir