segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O menino e a TV


Ele era um menino. Ele tinha um sonho: morar na Europa. Pobre menino iludia-se com a televisão em preto e branco que havia na sala de casa, um barraco na favela.
Ele ficava fascinado com tudo que a TV mostrava. Sonhava com aquele mundo perfeito, com aquele mundo em que todos são felizes. Ele dizia aos amigos “vou morar na Europa um dia. Lá todo mundo é feliz. Todo mundo pode tudo lá”. As outras crianças riam dele, porém ele não ligava. Ele era um menino. Ele tinha um sonho: morar na Europa!
 Cresceu alimentando esse sonho. Vivia no mundo das telenovelas, em que se consegue tudo sem esforços. Pobre menino, ele era um ignaro ser. Um Pobre menino sonhador. Mesmo convivendo com uma realidade triste, ele sonhava com um mundo de paz. Sonhava com um mundo sem traficantes, sem drogas, sem polícia invadindo a favela procurando bandido, sem tiroteios. Ele sonhava com a Europa, lá sim tudo era tranquilo, lá não tinha bandido. Ele vira na TV que na Europa a paz reinava. A Europa, sim, era um lugar para se viver.
Pouco tempo depois de completar a maior idade, ele tirou o passaporte. A moça do balcão perguntou por que ele queria tirar o passaporte. De imediato, ele respondeu: “Eu vou morar na Europa, moça. Lá é o melhor lugar para viver. Lá todo mundo trabalha e é feliz. Lá todo mundo é rico e não tem violência”. A moça riu do garoto. “Inocente menino este. A Europa não é esse paraíso todo” - pensou ela, enquanto preparava os documentos. Nada o entristecia, porque ele tinha um sonho: morar na Europa, viver em paz, ajudar a pobre família. Ele queria sair da favela, viver com mais dignidade. A mãe era muito velha, passava horas costurando em uma máquina para tirar o sustento da família. O pai? Este o menino nunca conhecera. A polícia o matou antes mesmo do menino nascer. Seu pai foi o mundo!
 Tudo pronto. O menino, que já estava um homem, vai morar na Europa. Sonho realizado. Uma grande empresa estava contratando jovens para trabalhar na Europa. O menino ainda não acreditava. Chegou o grande dia. Todos nervosos. A mãe só chorava quando lembrava que seu menino iria morar na Europa. Lá foi ele... O sonho daquele pobre menino que morava na favela estava perto de se tornar realidade. Por fora, ele não era mais um menino. Por dentro, ele ainda era o mesmo menino que tinha um sonho: morar na Europa!
Tudo era perfeito! O menino iria ganhar muito dinheiro, trabalhar pouco. Tudo como ele sonhara. Tudo como passava naquela TV em preto e branco. Ao desembarcar, o menino ainda estava cético. “Eu estou na Europa!” - pensava ele. A Europa era perfeita como mostravam na TV. O menino estava radiante diante daquele mundo. Ruas incríveis. Lojas, cafés, praças... Tudo com muita luz, tudo com muita gente a sorrir. Era esse o mundo que o menino queria.
 Conquanto, a Europa não era aquela perfeição mostrada na TV. A empresa enganara os jovens! Eles teriam que trabalhar muito e receber pouco. Pura ilusão essa Europa! O menino ficou frustrado diante daquela Europa nefasta que ele estava conhecendo. Um dia, na rua, o menino presenciou um assalto. Um jovem assaltou uma velha, que caíra ao chão. O menino ficou assustado, “Na Europa, todo mundo vive em paz, não há violência. Essa não é a Europa que eu sonhei”. Pensava ele com lágrimas a escorrer pela face.
Um dia, cansado de tanto trabalho, de tanta enganação, de tanta injustiça, o menino resolveu desistir daquele mundo. “Eu vou voltar ao meu país. Essa não é a Europa que eu sonhei minha vida toda. A Europa é igual ao meu país. Por que será que a injustiça é igual em todo lugar?” Torturava-se o menino frustrado. “Mesmo com tanta violência, eu vou voltar. Lá que é meu lugar, aqui eu sofro mais. Lá todos falam minha língua, eu não preciso humilhar-me para ninguém. Eu irei voltar”. O menino estava cônscio de sua decisão. Ele queria voltar. Ele ainda era o mesmo menino, porém não tinha mais o sonho: morar na Europa. Tudo não tinha passado de uma grande ilusão. A família continuava pobre e morando na favela. O que ele ganhava mal dava para se sustentar, tudo na Europa é caro.
 O menino voltou assim como foi, sem nada. Voltou com o coração mergulhado em tristeza. A ilusão é o pior de todos os males. O menino não sabia o que fazer agora! Sua vida toda foi planejada sob o sonho de morar na Europa. A Europa se fora, junto a ela, fora-se também a vontade de viver. O menino estava triste em voltar naquelas condições. Humilhado. O menino estava com raiva da TV. Ela era a culpada de tudo. Ela o iludira, mostrando-o uma Europa inexistente. Ela  havia pregado uma falsa Europa. “Não acredito em mais nada que a TV falar” - disse o menino com raiva nos olhos.
O menino desembarcou em seu país como o filho pródigo que retorna após a decepção. Ele não falou nada. Nunca mais aquele menino sonhou! Pobre menino perdera o melhor de todos os verbos: SONHAR.

                                            JEFFERSON PIAF




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