quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Júlia. Nunca é tarde para amar.(capítulo I)



           O Reencontro.
           (Uma mulher cheia de mistérios)




  Já fez um ano que eu estou de volta a Recife. Mesmo com muita mágoa de tudo que me aconteceu, eu precisei voltar. Terminei meu mestrado em Paris, e meu visto venceria em breve. Tenho passado pelos piores seis anos de minha vida. Fui estudar na Europa acreditando que conseguiria superar tudo aquilo, mas engano meu. Sofri todos os dias que passei naquela cidade. Tive uma vida dupla. Por fora a doutora Júlia Barreto, trinta e dois anos e estudante de mestrado em psicologia cognitiva pela universidade de Paris. Por dentro eu era Júlia: uma pessoa frustrada que vivia em ruínas. Passei o curso todo estudando a relação entre cultura e a mente humana, mas não consigo entender e dominar minha própria mente!
Aos poucos eu tento superar o sofrimento, mas ainda é muito difícil. Ter voltado para Recife não me ajudou muito. A princípio eu pensei em morar em outro estado, o máximo de distância de Pernambuco, mas a saudade de minha terra foi maior.
Penso em tudo a todo instante. Não sei o que aconteceu com aquela mulher séria e bem resolvida que eu era. Fico na expectativa de encontrá-lo novamente, ao menos vê-lo de longe. Mas eu tenho que superar isso, ou sofrerei eternamente.
Ele nem deve lembrar-se de mim; deve ter seguido com a vida. Eu que perco tempo relembrando tudo. O melhor é tentar não pensar, por mais que todos os lugares que passo me façam lembrá-lo:
 - Dra. Júlia? Seu café.
- Ah! Desculpe lurdinha. - Estava completamente perdida em meus pensamentos. Esqueci a fila do jantar.
 Dirigi-me à mesa onde estava meu grande amigo Paulo. Ele me ajudou muito quando comecei a trabalhar no hospital.
- Júlia, eu posso lhe fazer uma pergunta?-disse Paulo quando me sentei a sua frente.
- Fique a vontade meu querido. - respondi.
- Você está sempre pensativa, e ultimamente tem se distanciado de todos. Nas conversas parece que você está em outro planeta; sempre por fora do assunto. Neste exato momento você estava em qualquer lugar, menos nesse refeitório. A Lurdinha quase morre de tanto lhe chamar. Está acontecendo algo Júlia?
- Nada de mais Paulo. Só estou cansada, tenho trabalhado muito e não tem sobrado tempo para lazer. É só isso, nada de muito grave.
- Tem certeza Júlia? Não precisa ficar nervosa. Foi só curiosidade de minha parte.
- Claro que tenho certeza! E não estou nervosa. Droga! Derrubei meu café por causa de você. – Todos que estavam no refeitório me olharam. Falei muito alto, meu nervosismo estava notável.
- Tudo bem Júlia. Desculpe-me se lhe ofendi!
As pessoas olhavam-me com estranheza. Na mesma hora percebi o erro que cometi. Paulo só tentou me ajudar e eu agi de forma errada:
- Eu que peço desculpas meu amigo. Eu não deveria ter gritado com você. Realmente eu não estou nada bem. Não é só o trabalho que tem me deixado estressada.
- Não tem problema Júlia, eu entendo. Quando você quiser conversar eu estarei aqui.
- Eu preciso mesmo de alguém que me escute. Há muito tempo que estou com toda essa história travada na minha garganta. Eu preciso colocar tudo para fora de uma vez por todas!
- Pode dizer Júlia. Tenho o tempo que você precisar.
- Antes de ir estudar em Paris eu tinha um namorado, Paulo...
- Atenção: Dra. Júlia Barreto, compareça à emergência obstétrica com urgência.
- Bem, acho que conversaremos outra hora...
- Tudo bem. Fique calma e me procure depois para conversarmos. Boa sorte!
- Muito obrigada. Bom jantar!
  A emergência estava muito tumultuada. Com muito sacrifício consegui chegar ao balcão de atendimento. Fui informada que dois carros tinham se chocado próximo a um shopping na zona sul. Um dos carros era dirigido por uma mulher que estava grávida de oito meses. Disseram-me também que a família tinha sido noticiada, e o marido dela já estava a caminho do hospital.
Quando vi o rosto da paciente, tomei um susto! Mesmo passado alguns anos eu lembrava perfeitamente daquela mulher. Aquele não era o meu dia de sorte. Tudo passou em minha mente como um filme em câmera lenta. Meu nervosismo piorou e eu mal conseguia deixar minhas pernas paradas. Minha vontade era sair correndo dali. Sumir! Perdi meu raciocínio lógico por alguns instantes. O passado estava batendo mais uma vez na minha porta.
  Fui confirmar o nome da mulher. MARIA CLARA CAVALCANTTI SODRÉ. Ela mesma! Eu não quero fazer esse parto, não quero contato com essas vidas novamente!
Fui procurar outro médico para assumir o caso, mas a recepcionista disse que o doutor Marcus não compareceu para trabalhar por motivos de doença! Eu era a única obstetra de plantão. Muita falta de sorte a minha.
   Não tinha como eu fugir, não mais. A ética médica acima de qualquer ressalva. Saí como louca pelos corredores daquela emergência empurrando aquela maca. Quando vi que ela começou a sangrar não pensei em nada. Esqueci que o maqueiro serve para ajudar nessas horas.
Maria clara teve uma hemorragia, e nós não conseguíamos parar aquele sangramento. Ela precisava de uma transfusão de sangue imediata. Não podíamos mais perder tempo. Porém, tínhamos uma difícil escolha: ela estava perdendo muito sangue, seria muito delicado operá-la; mas a única forma de tentar salvar o bebê era a cirurgia.
Minha cabeça estava um turbilhão de pensamentos. A família não tinha chegado e eu não podia esperar a chegada deles para decidir. O chefe da equipe médica que decidiria. Aquela difícil escolha era só minha.
Optei por operá-la. O risco era grande, entretanto, risco maior era deixar ela e a criança morrerem.
  A criança nasceu com falta de ar, eu já previa isso. Um menino. Assim que ele saiu o levaram para a CTI, ele precisava de oxigênio. O estado de Maria Clara piorava a cada minuto. Eu já estava no clímax do desespero, não tinha mais nada que eu fizesse para salvá-la. As batidas do coração começaram a diminuir. Foi a maior correria dentro do bloco cirúrgico.
Tínhamos que lutar até o fim. Correr contra o tempo. A favor da vida. Contra a morte.
     Impossível.
     Tarde demais.
   Maria Clara teve uma parada cardíaca. Toda a equipe lutou para ajudá-la, mas não temos o poder de restituir vidas!
    Saí daquela sala aos prantos. Toda esta situação me fez refletir sobre efemeridade da vida. Em segundos encerramos nossa atuação, como no teatro: As cortinas se fecham, as luzes se apagam. Acabou o espetáculo.
Aquela situação me remeteu a melancolia vital de Edith Piaf. Eu estava me sentindo a própria Edith naquela situação. Mas o pior ainda estava por vir: Dar a notícia à família, a Luís Octávio.
      Antes de encarar aquelas pessoas, eu precisava conversar com alguém; desabafar! Fui até a sala de Paulo. Entrei com tanto desespero que não bate na porta. A sorte foi que ele estava sem paciente na sala:
- Júlia? O que houve?
- É uma longa história, Paulo. Não posso ficar nem mais um segundo com isso tudo dentro de mim...
- Sente-se aqui e me explique...
Conversar com Paulo me fez muito bem. Ele me encorajou a resolver tudo, e me senti mais leve. Parecia que eu estava carregando o mundo nas costas. Não tem como fugir do destino. Eu tenho que encará-lo da melhor forma.
         Fui até a sala onde estavam os parentes. Uma lástima. Tão jovem para morrer. Mas é a vida. Estavam presente, além de Octávio, a mãe de Maria Clara e outro rapaz, creio que seja irmão dela.
       - Boa noite. - cumprimentei-os-. Sou a Dra. Júlia, responsável pela cirurgia. – até então ele estava de cabeça baixa.
       - Boa noite Doutora. Como está minha filha? Como está meu neto?- perguntou-me a mãe dela, muito nervosa.
     - Calma. O bebê está bem, neste momento ele está passando por exames. Vocês poderão vê-lo em breve.
      - E minha esposa Doutora?– ele freou as palavras ao levantar a cabeça e me ver. Seus olhos corriam de encontro a mim.
     - Como eu já disse, o bebê está ótimo. Mas, infelizmente Maria Clara não resistiu. A pancada foi muito forte. Ela perdeu muito sangue, e sofreu uma parada cardíaca. Nós fizemos de tudo para salvar os dois, mas infelizmente não foi possível.
     - Não pode ser! Minha filha não! Tão jovem!- A senhora desmaiou. Uma equipe médica a levou. Eu tentei sair sem ser percebida, mas não consegui:
    - Você não Júlia! – Disse Octávio segurando meu braço.
  - Agora não Luís Octávio. Você está muito abalado com o que aconteceu, é melhor conversarmos outra hora; em outro lugar.
- Outra hora? Eu espero essa conversa por seis anos Júlia! Você sumiu, e eu fiquei aqui como um louco!
- Fale baixo, por favor. Eu estou no meu local de trabalho!
- Desculpe, mas se você soubesse o quanto eu sofri não me diria para conversarmos outra hora.
- Eu sei que você está muito abalado com a perda de sua esposa, mas não interprete a vítima! Você está muito velho para esse papel.
- O que você está falando? Eu não fiz nada!
- Já vamos começar a discutir. Eu lhe disse que agora não é o momento adequado, procure-me depois que conversamos.
   Tirei a mão de Octávio de meu braço e saí apressada daquela sala. Foi pior do que eu pensava; um choque para mim e para ele. Minha vontade era de abraçá-lo e beijá-lo. Chorei todo caminho de volta a meu consultório.
  Ele ainda teve o cinismo de dizer que sofreu! Eu que fui enganada aquele tempo todo Por ele. Ele me vem com arrogância dizendo que eu sumi! Meu juro se prolongou, mas dessa vez era um choro de raiva.
Foram os piores cinco anos da minha vida. Eu estava feliz por estar morando em Paris, pois sempre sonhei em morar naquela cidade. Mas ao mesmo tempo eu estava sofrendo, por que era com ele que eu queria compartilhar cada momento ali.
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   O dia estava chegando. Meu plantão estava terminando, e tudo o que eu queria naquele momento era minha casa. Fugir. Minha vontade era sair correndo para o colo da minha mãe. Mas nem isso eu podia. Minha mãe havia falecido. Que saudade mãe! Como eu queria a senhora agora. Só ela me compreendia. Mãe deveria ser imortal.
   Eu sabia que Luís Octávio com sua teimosia inegualável me procuraria depois que tudo acalmasse. Melhor não pensar nisso. Meu desejo era dormir e esquecer toda essa história triste. Seria muito bom se isso acontecesse, mas só acontece na televisão; O mundo onde tudo é possível.
     Assim que o plantão acabou saí correndo até meu carro. Quanto mais eu andava, mais caminho tinha. Parecia que os corredores estavam maiores. Parecia que eles não queriam que eu saísse dali. Eu me sentia como um pássaro preso que deseja a liberdade.
     Senti um grande alívio ao entrar no carro. Senti-me livre. Uma manhã chuvosa. Fria. Sempre gostei de andar na chuva, e por mais que desejasse dormir, senti vontade de caminhar na praia, na chuva.
     Fui até a praia de Boa Viagem. Apesar de tanto tempo sem ver aquele mar, ele estava lindo, apesar da chuva. Estacionei o carro na orla e sai caminhando, sem rumo. Como eu gostava de fazer aquilo. Andar na chuva. Estava consciente que aquele ato me causaria um resfriado, mas não me importei.
    As pessoas me olhavam indiferentes. Eu parecia um ser de outro mundo caminhado na chuva! Se elas tivessem passado pela situação embaraçosa que passei, entenderiam minha ação. Eu precisava fazer aquilo. Sentir a chuva, admirar o mar. Senti-me recarregada depois daquilo tudo. Depois segui para casa. Estava com frio e precisava de roupas secas, um chá bem quente e minha cama.

    Acordei às 14hrs com uma sensação estranha, e morrendo de dor de cabeça. Parecia que eu tinha sonhado com o Luís Octávio. Não demorou muito para eu chegar à com conclusão que não tinha sido um sonho, e sim realidade. Eu tinha encontrado com ele. Uma mistura de amor e ódio tomou conta de mim.
   Aquele homem que tanto me fez sofrer apareceu em minha frente, e eu não fiz nada. Como pude ser tão ignara? Mas eu não podia descarregar todas as mágoas que tenho dele naquele momento. Eu estava no meu no meu trabalho, tinha que ser ética, principalmente na situação que ele se encontrava. Por mais que eu estivesse com raiva, deveria respeitá-lo.
     Fiquei nesse conflito interno por alguns instantes. Só não era pior que minha dor de cabeça. Parecia que estava de “ressaca”.
      Eu não queria ficar o resto do dia pensando nele. Eu precisava sair; dançar; brincar... Há muito tempo que não faço isso, vivia de casa para o hospital. A Ana sempre reclamava comigo. Resolvi ligar para ela e chamá-la para sair. Era tudo o que eu precisava: sair em boa companhia.
     Decidimos ir a uma boate no centro da cidade; que por sinal era muito boa.
     Uma noite maravilhosa, diverti-me muito com aquelas músicas.
 

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