sábado, 27 de novembro de 2010

Júlia. Nunca é tarde para amar...(capítulo VII)

A morte chegou... O fim que pode ser o começo...
           (Agora é tarde.)



 
    Dedico os próximos dois capítulos ao meu querido Thiago Souza, que nos deixou, e hoje é uma estrela brilhando no infinito. A você, meu querido Thi, que sempre acreditou em mim.
 

  Eu já estava recuperando-me de toda aquela frustrada conversa que tive com Octávio. Reencontrar minha melhor amiga tinha sido a melhor coisa que me aconteceu.
  Confesso que com a chegada de Francy minha vida mudou. Eu, aos poucos, voltava a ser aquela Júlia sonhadora de antes. A vontade de viver que aquela garota tinha, mesmo com todas as intempéries da vida, era contagiante.
  Eu ia para o hospital quando a música de Vanessa da mata -ainda bem- foi interrompida por uma notícia urgente:

 “Começou a pouco a perseguição da polícia a uma quadrilha que assaltou um banco na zona Norte do Recife. O trânsito está tumultuado, e as pessoas estão aflitas. Os bandidos não estão com reféns. Mais informações em instantes. Continuamos agora com nossa programação...”
 Um assalto a banco na zona Norte do Recife? Justo na parte onde eu estava! Senti uma pontada nas costas. Fiquei tensa, uma perseguição policial em plena tarde de terça feira, um feriado tão lindo. Como se os bandidos escolhessem dia para roubar!
  Eu ouvia, ao longe, um barulho de sirene. Não sei se eu ouvia, de fato, ou se era só meu psicológico confuso. Eu percebi que nas ruas as pessoas andavam apressadamente; pareciam procurar um lugar para entrar, aparentando um medo constante. Fiquei mais nervosa ao ver aqueles rostos amedrontados.
  Quando fui chegando ao estacionamento do hospital, o barulho da sirene ainda me perseguia. Não era sirene de ambulância.  Um burburinho longínquo que se aproximava. O estacionamento estava lotado, foi difícil achar uma vaga. Consegui estacionar meu carro, mas só achei vaga dou outro lado do estacionamento. Ao chegar à entrada do hospital, percebi que tinha esquecido minha agenda eletrônica no carro. Teria que voltar lá e pegá-la. Avistei Paulo do lado de dentro do hospital e acenei para ele.
   Ao aproximar-me do carro, tomei um susto. De súbito, um tiro. Tudo muito rápido, quando vi o estacionamento tinha virado palco de um filme de faroeste. Carros de polícia, e um carro com homem de capuz exibindo armas. Eu estava em meio a uma guerra. Fui atingida com uma bala, não sei de onde ela veio. Não senti dor de imediato, só percebi que estava feriada por que sangrava muito. Estava completamente perdida, nunca tinha acontecido isso comigo. Eu não sabia o que fazer, não tinha lugar para esconder-me. Com o barulho, o tumulto aumentou. Tudo o que fiz foi gritar. Das janelas do hospital as pessoas me olhavam aflitas. Ao longe, aviste Paulo correndo em minha direção, gritando meu nome:
- Júlia! Júlia! Fique calma!
- Socorro Paulo! Eu não quero morrer. – minha voz confundia-se com o choro. Mil coisas passavam por minha cabeça. Por alguns instantes, pensei que morreria.
 Eu não posso morrer. Paulo estava se aproximando de mim quando eu o vi cair também. Ele fora atingido. Arrastei-me até onde ele estava. O tiroteio continuava, e nós dois estávamos jogados no chão. Éramos invisíveis.
    Quando vi Paulo sangrando entrei em desespero. Foi uma correria total. Eu gritava, sem parar, pedindo socorro. Tudo o que Paulo dizia era para eu não me desesperar. Eu queria pegá-lo em meus braços e sair correndo para emergência.
            Agora é tarde.
  Aos poucos a respiração dele escasseava-se. Eu me sentia impotente diante daquela situação. Eu jurei que salvaria vidas! Juramento este que, a meu ver, é errôneo. Eu não tenho o poder de salvar, só Deus que pode fazer isto. Deveríamos jurar, sim, que faríamos o impossível para ajudar as pessoas.
   Ele me olhava aparentando tranquilidade, mas sei que no fundo estava tão nervoso quanto eu. Com duas lágrimas nos olhos pronunciou suas últimas frases:
  - Júlia?
  - Fique calmo, meu querido. Já estão chegando para nos ajudar. Não fale. Tudo dará certo.
 - Eu vou morrer Júlia. Não posso esperar mais.
 - Não diga isto Paulo. Você é muito jovem.
 - Os bons morrem jovens, como dizia Renato Russo. – As lágrimas fluíram em meu rosto. Choramos em silêncio por alguns segundos.
- Obrigada por tentar me salvar Paulo. Obrigada por fazer parte de minha vida. Você é uma pessoa muito especial, todos nós te amamos muito.
- Eu que te agradeço por tudo, minha querida.
  Silêncio. Paulo calara-se para sempre. Uma profunda tristeza tomava conta de mim. Nosso sangue tingia o vermelho do céu, naquele fim de tarde do dia das crianças. Ele faleceu em um dia propício, por que no fundo ele era uma criança. Uma criança adulta.
   Aos poucos as pessoas chegavam. O socorro também. Eu estava fraca e com minha visão embaçada. A última coisa que lembro é de ter sido pega por dois homens e ser levada para dentro do hospital. Eu queria falar a eles para salvarem o Paulo, mas eu não conseguia. Escutei um deles falando que o rapaz, Paulo, tinha falecido no local.

   Acordei cheia de dores. Meu abdômen doía muito. Ana estava sentada frente a mim, e Francy, em pé, ao meu lado. E eu, deitada em uma cama de hospital. Não sabia o que estava fazendo ali. Por que Ana estava lá a olhar-me com um ar de tristeza? Ela ainda estava de licença. Francy também aparentava tristeza, poucas vezes a vi triste:
  - Ana! Ela está acordando. – falou Francy. Ana vinha em minha direção.
- Graças a Deus! – bradou Ana.
- O que está acontecendo? Por que eu estou aqui? Por que vocês me olham desse jeito?
- Calma Júlia! Ana irá explicar-lhe com mais calma.
- Francy tem razão, você precisa ter calma. Você foi atingida por uma bala de raspão. A polícia perseguia uma quadrilha que acabara de assaltar um banco. Mas está tudo bem com você.
  Ana pausou a voz. Elas se entreolharam. Senti que tinham mais coisas para falar-me. Eu estava impaciente. Tinha poucas lembranças. As recordações vinham aos poucos e em pedaços. Eu só lembrava que estava chegando perto do carro... Tiro. Carro. Polícia. Sirene. Gente. Grito. Paulo. Tiro novamente. Sangue. Paulo. Chão. Morte. Socorro. Era tudo o que eu remembrava. Não me contive:
 - O que está acontecendo? Cadê o Paulo? – Desta vez quem falou foi a Francy.
 - Júlia, o Paulo na tentativa de te salvar, foi atingido por três tiros. Infelizmente ele não resistiu. Todos nós estamos sofrendo muito com tudo o que aconteceu.
- Não pode ser Francy!- Parecia que o mundo todo estava desabando em cima de mim. Eu estava incrédula com as últimas informações. O Paulo não pode ter morrido. Choramos.
 - Quando será o enterro? Eu quero ir. Quero vê-lo pela última vez.
- Eu não sei se você poderá ir. Você está muito fraca ainda, terei que falar com o médico que lhe atendeu. – falou Ana.
- Por favor, Ana, eu tenho que ir ao enterro. Não me perdoarei se não for.
- Acho que não é uma boa idéia você ir. Você ainda está muito tensa, presenciar o sepultamento do seu amigo não será bom. – argumentou Francy.
- Eu sei, mas ficarei pior se não for. – continuei chorando.
- Está bem. Se o médico liberar, eu irei com você.
- Muito obrigada minha amiga.
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